TUMULÁRIA MEDIEVAL
Marco Monteiro e Vera Grilo, Historiadores
A ATITUDE DO HOMEM MEDIEVAL PERANTE A MORTE
A Morte na mentalidade medieval representa mais do que uma mera oposição à vida. Tem em si contido o verdadeiro sentido de ser e estar. Ao contrário de hoje, o homem medievo vivia envolto no estigma de uma realidade quase banal. Morrer significava estar preparado, esperar e aceitar a inevitabilidade do destino. Morrer sozinho e apanhado de surpresa surge conotado com a imagem de uma morte indigna, típica dos condenados.
Tal como refere Phillipe Ariés “...a morte mais antiga era domada...”
A sepultura, enquanto última morada do homem no sentido terrestre, serve de ponte entre o Aqui e o Além. Trata-se de uma orientação que tem como coordenadas a salvação da alma. A alma expressa e imortaliza o ser na sua individualidade e longevidade.
Apesar da familiaridade com o elemento “morte”, evidenciamos claras preocupações em separar os mortos (enterrados ou incinerados) do espaço de acção dos vivos, excepto nos dias de rituais destinados ao culto dos mesmos. Tal como na Antiguidade pretende-se que os cemitérios estejam afastados da cidade. Denota-se uma preferência por locais onde haviam sido sepultados mártires.
O direito canónico proíbe o enterramento dentro da igreja. Contudo, ao longo do tempo, presenciamos à escolha do templo sagrado como última morada das classes privilegiadas. Será na arte tumulária que encontraremos registada a mentalidade medieva perante a morte. Desde a escultura à epigrafia, tudo tem um sentido, tudo tem um objectivo. Ser tumulado torna-se algo de supremo e digno. Expressar uma boa morte e o cumprimento de todos os seus rituais transforma-se num “passaporte para o céu” e a sua representação no túmulo deixa a marca daquele que em vida foi um bom cristão. Morrer sim, mas bem preparado e com um túmulo que deixe a memória para o resto da vida...
A sociedade e a tumulária
Os túmulos numa perspectiva hierárquica
Para se perceber a mentalidade medieva perante a morte é preciso ter em conta que esta mesma atitude é imóvel, e que só em certos momentos teve modificações lentas e dignas de registo. Hoje em dia essas atitudes são mais rápidas e conscientes e talvez por este motivo ao referir-se à morte na Idade Média, Philippe Ariés fala-nos de uma “morte domesticada”
O Homem estava prevenido e a advertência era-lhe feita por sinais naturais ou por convicção íntima, não tendo portanto nada de sobrenatural ou mágico.
As pessoas identificavam os sinais da morte e apesar de não terem pressa de morrer, morriam "cristãmente" quando chegava a hora.
O Homem estava prevenido e a advertência era-lhe feita por sinais naturais ou por convicção íntima, não tendo portanto nada de sobrenatural ou mágico.
As pessoas identificavam os sinais da morte e apesar de não terem pressa de morrer, morriam "cristãmente" quando chegava a hora.
O RITUAL DA MORTE
Representação da Extrema-unção, S. João de Alporão (Santarém)
Existem gestos rituais ditados por antigos costumes, do que se deve fazer quando se vai morrer. O moribundo deve deitar-se de costas de modo que o rosto fique virado para o céu e para Oriente na direcção de Jerusalém, o que segundo descrições do antigo testamento não acontece com os judeus, que se voltavam para a parede para morrer.
A atitude de cruzar as mãos ao centro do peito é aquela apresentada pelas estátuas jacentes a partir do séc. XII. No cristianismo primitivo o morto era representado com os braços estendidos numa atitude de prece e que é prescrita pelos liturgistas do séc. XIII.
A morte no leito era um rito apaziguador que solenizava a passagem necessária e reduzia a diferença entre os indivíduos, tudo se passava de igual modo para toda a gente, ou pelo menos com todos os santos cristãos em paz com a Igreja, sendo um rito essencialmente colectivo.
O moribundo principia com uma lamentação sobre a sua vida, uma evocação dos seres e coisas amadas, depois vem o perdão dos companheiros que rodeiam o seu leito. Em seguida esquece o mundo e pensa em Deus e a oração divide-se em duas partes: a culpa e a prece. A absolvição é o acto religioso dado pelo padre e mais tarde repetido sobre o corpo do morto, no momento da sepultura.
Concluímos assim, que os ritos de morte eram aceites e cumpridos sem carácter dramático, sem momento de extrema emoção.
Logo que o defunto dê o seu último suspiro, começam as exéquias e são as únicas cerimónias que ainda hoje subsistem. Com quatro partes desiguais, sendo a primeira a mais espectacular, é o luto com as manifestações mais violentas da dor que se desencadeavam logo após a morte. Os presentes rasgavam as vestes, arrancavam a barba e os cabelos, arranhavam a cara, beijavam apaixonadamente o cadáver, caíam sem sentidos e, no intervalo dos seus transes faziam o elogio ao defunto. A segunda parte é a única religiosa, com repetição da absolvição pronunciada sobre o moribundo ainda com vida. A terceira é o cortejo que transportava o defunto deitado, após o seu corpo ter sido envolvido no lençol ou mortalha, deixando por vezes a cabeça descoberta. Chegado ao local é deposto na terra ou no sarcófago. A quarta parte era a inumação muito breve e sem solenidade e entretanto passou-se a repetir sobre o sarcófago uma nova absolvição, representada na escultura, ritual que normalmente seria aplicado ao nível de todas as classes sociais.
A atitude de cruzar as mãos ao centro do peito é aquela apresentada pelas estátuas jacentes a partir do séc. XII. No cristianismo primitivo o morto era representado com os braços estendidos numa atitude de prece e que é prescrita pelos liturgistas do séc. XIII.
A morte no leito era um rito apaziguador que solenizava a passagem necessária e reduzia a diferença entre os indivíduos, tudo se passava de igual modo para toda a gente, ou pelo menos com todos os santos cristãos em paz com a Igreja, sendo um rito essencialmente colectivo.
O moribundo principia com uma lamentação sobre a sua vida, uma evocação dos seres e coisas amadas, depois vem o perdão dos companheiros que rodeiam o seu leito. Em seguida esquece o mundo e pensa em Deus e a oração divide-se em duas partes: a culpa e a prece. A absolvição é o acto religioso dado pelo padre e mais tarde repetido sobre o corpo do morto, no momento da sepultura.
Concluímos assim, que os ritos de morte eram aceites e cumpridos sem carácter dramático, sem momento de extrema emoção.
Logo que o defunto dê o seu último suspiro, começam as exéquias e são as únicas cerimónias que ainda hoje subsistem. Com quatro partes desiguais, sendo a primeira a mais espectacular, é o luto com as manifestações mais violentas da dor que se desencadeavam logo após a morte. Os presentes rasgavam as vestes, arrancavam a barba e os cabelos, arranhavam a cara, beijavam apaixonadamente o cadáver, caíam sem sentidos e, no intervalo dos seus transes faziam o elogio ao defunto. A segunda parte é a única religiosa, com repetição da absolvição pronunciada sobre o moribundo ainda com vida. A terceira é o cortejo que transportava o defunto deitado, após o seu corpo ter sido envolvido no lençol ou mortalha, deixando por vezes a cabeça descoberta. Chegado ao local é deposto na terra ou no sarcófago. A quarta parte era a inumação muito breve e sem solenidade e entretanto passou-se a repetir sobre o sarcófago uma nova absolvição, representada na escultura, ritual que normalmente seria aplicado ao nível de todas as classes sociais.
TESTAMENTOS
O acto de fazer testamento fazia parte dos gestos rituais do moribundo no seu leito de morte. Era um acto sacramental e forçava o homem a pensar na morte enquanto ainda tinha tempo disponível e em que o testador exprimia o que queria através da sua fé e dispunha do que lhe era ainda mais caro : o seu corpo e a sua alma. A parte mais longa do texto continua a ser a profissão de fé, a confissão de pecados e a reparação das más acções, a escolha da sepultura e finalmente, as numerosas disposições a favor da alma : missas, orações que começavam desde as agonias e eram distribuídas em datas fixas, perpétuamente.
Chama-se a atenção para a minúcia dos pormenores em que nada é deixado ao acaso pelo testador, nem sequer ao cuidado dos seus. Tudo se passa como se ele já não tivesse confiança em ninguém e só a ele competia tomar medidas para a sua salvação.
O testamento é um contrato de seguro feito entre o testador e a Igreja vigária de Deus. Um contrato com duas finalidades: uma garantia os laços de eternidade e outra em que os prémios eram pagos em moeda temporal. Trata-se também de uma licença de livre trânsito sobre a terra, para a fruição, assim legitimada, dos bens adquiridos durante a vida, e os prémios desta garantia eram por sua vez, pagos em moeda espiritual, em missas, em orações, em actos de caridade.
Tal como nos diz Le Goff “...se não tivermos bem presentes no nosso espírito a obsessão da salvação e o medo do inferno que animavam os homens da Idade Média nunca poderemos compreender a sua mentalidade...”
Refira-se também a importância e a preocupação por parte dos reis em testamentar o tipo de túmulo que desejavam, o local onde queriam ser tumulados, as pessoas com quem desejavam ser tumulados e a iconografia da arca feral. Daí a importância do acto de transladação como forma de cumprimento do próprio testamento, sendo por este motivo que se encontram muitas vezes dois e três túmulos da mesma pessoa em locais diferentes.
TUMULÁRIA
Até ao séc. XII o morto era transportado directamente para o sarcófago de pedra, onde era deposto com o rosto descoberto, mesmo que fosse rico e poderoso, sendo envolvido em tecido precioso. A partir do séc. XIII, o rosto do morto é subtraído aos olhares, quer por o corpo estar cosido à mortalha, quer por se encontrar encerrado numa urna de madeira ou de chumbo.
Depositava-se o corpo diante do altar durante pelo menos uma das três missas solenes previstas para a salvação da respectiva alma. O caixão já fechado ainda era dissimulado sob um pano mortuário e colocado sob um estrado de madeira e uma estátua de madeira e de cera representando o defunto. Este uso manteve-se até ao séc. XVII, por ocasião das exéquias reais.
Por volta do séc. XIII cai em desuso a visão do cadáver e a sua exposição na igreja e aparecem as máscaras mortuárias que se moldam ao rosto do morto, para que a representação seja semelhante ao próprio defunto.
A iconografia das artes moriendi reúne portanto numa mesma cena, a segurança do rito colectivo e a inquietação duma interrogação pessoal, que está directamente ligada com a relação que se estabelece entre a morte e a biografia de cada vida particular. A morte converteu-se no lugar onde o homem tomou melhor consciência de si mesmo.
Um dos objectivos dos cultos funerários era manter o mundo dos vivos separado do dos mortos. Em Roma, a lei das doze tábuas proibia o enterramento in urbe (no interior da cidade) e o código Teodosiano repetem a mesma interdição.
Apesar da sua familiaridade com a morte, os Antigos temiam a vizinhança dos mortos e mantinham-nos afastados. Honravam as suas sepulturas, mas um dos objectivos era impedir os defuntos de regressar e perturbar os vivos.
TIPOLOGIA TUMULAR – A ARTE DA TUMULÁRIA
Nesta abordagem tentaremos apresentar os aspectos mais relevantes dos diferentes tipos de sepultamento, tendo em consideração a perspectiva hierárquica em que se inserem.
Primeiramente analisaremos a sepultura de pessoas consideradas à margem da religião cristã. De forma geral, encontram como último destino a beira de caminhos ou campos desertos, esperando que cada pessoa que passe atire a sua pedra.
Outra forma de sepultamento simples, mas não tão elementar como a anterior, são as grandes fossas ou valas comuns. Encontravam-se quase a descoberto, possibilitando a exposição dos cadáveres aos olhos dos vivos e à gula de animais famintos. Estas sepulturas comuns albergavam gentes de baixa condição, sobretudo, escravos, servos e indigentes, cujo corpo seria deposto directamente sobre a terra.
Mais frequentemente as pessoas eram inumadas nos cemitérios. Estes situavam-se próximo das igrejas e encontravam-se divididos em galerias e carneiros:
a) Galerias - compostas por um pequeno pátio rectangular em que um dos lados coincidia com o muro da igreja;
b) Carneiros – inseridos nas galerias e compostos por ossários e capelas funerárias.
A presente análise incidirá maioritariamente sobre os túmulos patentes no interior de igrejas, mosteiros e conventos. Apesar de apenas marcarem uma parte da sociedade, na verdade constituem importantes fontes directas para o estudo a realizar.
Com o decorrer do tempo, o sepultamento no seio da instituição eclesiástica perdeu o carácter excepcional de acolhimento de membros religiosos, possibilitando o sepultamento das altas esferas laicas (reis, nobres, magistrados, burgueses, etc.) no seu interior.
Numa nova atitude face ao mundo subterrâneo, encontramos vulgarmente o túmulo horizontal. Tratava-se de um túmulo baixo, encaixado no solo e composto por uma simples laje de pedra rectangular, correspondendo dimensionalmente ao corpo humano.
Também o túmulo com epitáfio aparece algumas vezes nas paredes ou pilares das igrejas, capelas ou galerias de carneiros, constituído por uma pequena placa ocupada pela inscrição e sem qualquer outra gravura, adquirindo muitas vezes a função de porta.
Túmulo de D. Diogo de Azambuja (Montemor-o-velho, Coimbra)
Dentro da tipologia tumulária e seguindo o esquema de alguns autores especializados na arte tumulária devemos referir o túmulo vertical e mural que ao mesmo tempo adquire a denominação de parietal e edicular. Este tipo de sarcófago é colocado contra a parede sob um arco denominado de arcosolium.
Os túmulos dos Infantes de Avis, patentes na Capela do Fundador no Mosteiro de Sta. Maria da Vitória, na Batalha, são excelentes exemplos destas estruturas. É importante analisarmos a vertente iconográfica presente no próprio arcosolium, tendo em conta o estilo artístico em que se insere.
Algumas capelas e jazigos familiares foram também alvo da nossa investigação, demonstrando uma pretensão em utilizar a respectiva capela como sepultura, tendo como principal objectivo garantir a realização dos serviços necessários à memória do defunto.
A partir do bloco de pedra e da disponibilidade material da mesma, o artista cria o monumento funerário. Através da análise dos vários elementos chegaremos a um corpo homogéneo.
Entre as diferentes tampas estudadas, o interesse detém-se, sobretudo, na figura da estátua jacente. Esta acrescenta à arte tumular uma riqueza não só estética como simbólica.
A ideia de uma espera tranquila expressa-se sobre a forma de bem-aventurança. O naturalismo das vestes articula-se com o realismo do rosto, a posição das mãos e a presença de elementos que conferem um estatuto social definido.
A almofada dupla surge como o elemento por excelência onde repousa a cabeça da estátua funerária. Em casos extraordinários denotamos a presença do baldaquino enquanto componente directamente ligada à esfera do sagrado.
No que concerne ao apoio dos pés, encontramos quase sempre a existência de mísulas, revestidas de folhagem.
Como elementos maioritariamente presentes, devemos ainda aludir ao cão (animal fiel que algumas vezes suporta os pés do dono), ao Anjo (ser que aponta para uma realidade celestial) e ao leão (sustentáculo da própria arca funerária).
Analisando a arca feral propriamente dita, destacaremos a decoração heráldica, enquanto código de identificação do tumulado. Por outro lado, é importante referir a decoração arquitectónica e icónica, sobressaindo a título de exemplo temas como o Juízo Final, a Roda da Fortuna, o Calvário, a Anunciação, a Coroação da Virgem, ou a Última Ceia. Relativamente à decoração geométrica e/ou vegetalista destaca-se o naturalismo da representação. Em relação à escrita surge como uma recusa ao anonimato. As inscrições tumulares podem apresentar-se sob a forma de epitáfios inscritos nas arcas ou enquanto pequenas inscrições nos rebordos das tampas.
Debruçando-nos sobre a pintura, concluímos que a mesma ocupa um lugar bastante diminuto no seio da tumulária medieval portuguesa. À excepção de túmulos como o de D. Isabel de Aragão, D. Dinis, D. João I/ D. Filipa de Lencastre, D. Pedro de Meneses/D. Beatriz Coutinho e D. Duarte de Meneses, são escassos os exemplos de policromia quando aplicados à arte funerária.
Contudo, a preocupação com a salvação da alma não se restringe às apresentações anteriormente explicitadas.
Os túmulos dos Infantes de Avis, patentes na Capela do Fundador no Mosteiro de Sta. Maria da Vitória, na Batalha, são excelentes exemplos destas estruturas. É importante analisarmos a vertente iconográfica presente no próprio arcosolium, tendo em conta o estilo artístico em que se insere.
Algumas capelas e jazigos familiares foram também alvo da nossa investigação, demonstrando uma pretensão em utilizar a respectiva capela como sepultura, tendo como principal objectivo garantir a realização dos serviços necessários à memória do defunto.
A partir do bloco de pedra e da disponibilidade material da mesma, o artista cria o monumento funerário. Através da análise dos vários elementos chegaremos a um corpo homogéneo.
Entre as diferentes tampas estudadas, o interesse detém-se, sobretudo, na figura da estátua jacente. Esta acrescenta à arte tumular uma riqueza não só estética como simbólica.
A ideia de uma espera tranquila expressa-se sobre a forma de bem-aventurança. O naturalismo das vestes articula-se com o realismo do rosto, a posição das mãos e a presença de elementos que conferem um estatuto social definido.
A almofada dupla surge como o elemento por excelência onde repousa a cabeça da estátua funerária. Em casos extraordinários denotamos a presença do baldaquino enquanto componente directamente ligada à esfera do sagrado.
No que concerne ao apoio dos pés, encontramos quase sempre a existência de mísulas, revestidas de folhagem.
Como elementos maioritariamente presentes, devemos ainda aludir ao cão (animal fiel que algumas vezes suporta os pés do dono), ao Anjo (ser que aponta para uma realidade celestial) e ao leão (sustentáculo da própria arca funerária).
Analisando a arca feral propriamente dita, destacaremos a decoração heráldica, enquanto código de identificação do tumulado. Por outro lado, é importante referir a decoração arquitectónica e icónica, sobressaindo a título de exemplo temas como o Juízo Final, a Roda da Fortuna, o Calvário, a Anunciação, a Coroação da Virgem, ou a Última Ceia. Relativamente à decoração geométrica e/ou vegetalista destaca-se o naturalismo da representação. Em relação à escrita surge como uma recusa ao anonimato. As inscrições tumulares podem apresentar-se sob a forma de epitáfios inscritos nas arcas ou enquanto pequenas inscrições nos rebordos das tampas.
Debruçando-nos sobre a pintura, concluímos que a mesma ocupa um lugar bastante diminuto no seio da tumulária medieval portuguesa. À excepção de túmulos como o de D. Isabel de Aragão, D. Dinis, D. João I/ D. Filipa de Lencastre, D. Pedro de Meneses/D. Beatriz Coutinho e D. Duarte de Meneses, são escassos os exemplos de policromia quando aplicados à arte funerária.
Contudo, a preocupação com a salvação da alma não se restringe às apresentações anteriormente explicitadas.
TÚMULOS REAIS - PODER INABALÁVEL
Túmulos de D. Pedro e D. Inês de Castro
Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça
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Se, por mero acaso, dentro da história da arte tumular, tentarmos conjugar num mesmo enquadramento aspectos iconográficos de enorme riqueza e variedade, um tipo de escultura inebriante e que depressa nos envolve num determinado acto histórico, para além de uma expressa liberdade criativa e uma originalidade extrema, por certo que só o conseguiremos olhando para os túmulos de D. Pedro e de D. Inês de Castro expostos no Mosteiro de Alcobaça. Se em Portugal as características do tardo-gótico não se afirmaram com a construção de grandes catedrais que nos colocariam em pé de igualdade com a Europa, o certo é que a construção destes túmulos não só ocuparam esse lugar como também nos colocaram em primeiro plano, uma vez que são exemplares únicos da arte da tumulária e que ainda hoje suscitam algumas dúvidas na sua interpretação.
De acordo com a vontade de D. Pedro, a disposição primitiva dos túmulos correspondia precisamente ao transepto sul do Mosteiro de Alcobaça, sendo que o túmulo do rei estaria à esquerda do túmulo de Inês de Castro respeitando assim o código cavalheiresco e ambos com os pés virados para a Capela de S. Bento, desta feita, de acordo com as normas eclesiásticas. Actualmente, esta posição foi alterada, mantendo-se o túmulo de D. Pedro no transepto sul e o de D. Inês de Castro transportado para o transepto norte do dito mosteiro. Ao tentarmos perceber o porquê destas alterações, uma vez que contradizem a história e colocam alguma dificuldade na interpretação dos próprios túmulos, ficámos, no entanto, sem resposta plausível.
Atendendo, porém, à forma como D. Pedro mandara colocar as arcas tumulares, torna-se mais simples a interpretação de toda a sua iconografia, uma vez que estas representações se completam através de um sistema de reenvio de mensagens de um túmulo para o outro. Apesar de a interpretação poder ser efectuada individualmente, ao analisarmos os dois túmulos em simultâneo a compreensão dos factos ocorridos e que constituem a trágica história de D. Pedro e de D. Inês são bastante mais esclarecedores.
Deste modo, olhando para a face testeira do túmulo de D. Pedro, verificamos a representação em dois tempos, da sua Boa Morte. No entanto, já no túmulo de D. Inês, encaramos com a cena do Juízo Final que se enquadra perfeitamente com os preceitos da Boa Morte de D. Pedro. No lado das cabeceiras, a correspondência faz-se entre a Cena do Calvário existente no túmulo de D. Inês e a Roda da Fortuna ou da Vida na arca de D. Pedro.
A correspondência existente entre a Boa Morte e a cena do Juízo Final, confirma uma vez mais a preocupação do homem medievo em cumprir os preceitos definidores da boa morte, nomeadamente, o processo da Extrema-Unção e o Viático, que lhe permitiam alcançar a vida eterna e chegar assim ao paraíso.
Desta forma, D. Pedro faz-se representar como cumpridor desses actos cristãos, definindo-se como merecedor da vida eterna onde, aliás, de acordo com a cena do Juízo Final patente na arca de D. Inês, aparece conjuntamente com sua amada na janela de uma das torres da Jerusalém Celeste.
Se, por mero acaso, dentro da história da arte tumular, tentarmos conjugar num mesmo enquadramento aspectos iconográficos de enorme riqueza e variedade, um tipo de escultura inebriante e que depressa nos envolve num determinado acto histórico, para além de uma expressa liberdade criativa e uma originalidade extrema, por certo que só o conseguiremos olhando para os túmulos de D. Pedro e de D. Inês de Castro expostos no Mosteiro de Alcobaça. Se em Portugal as características do tardo-gótico não se afirmaram com a construção de grandes catedrais que nos colocariam em pé de igualdade com a Europa, o certo é que a construção destes túmulos não só ocuparam esse lugar como também nos colocaram em primeiro plano, uma vez que são exemplares únicos da arte da tumulária e que ainda hoje suscitam algumas dúvidas na sua interpretação.
De acordo com a vontade de D. Pedro, a disposição primitiva dos túmulos correspondia precisamente ao transepto sul do Mosteiro de Alcobaça, sendo que o túmulo do rei estaria à esquerda do túmulo de Inês de Castro respeitando assim o código cavalheiresco e ambos com os pés virados para a Capela de S. Bento, desta feita, de acordo com as normas eclesiásticas. Actualmente, esta posição foi alterada, mantendo-se o túmulo de D. Pedro no transepto sul e o de D. Inês de Castro transportado para o transepto norte do dito mosteiro. Ao tentarmos perceber o porquê destas alterações, uma vez que contradizem a história e colocam alguma dificuldade na interpretação dos próprios túmulos, ficámos, no entanto, sem resposta plausível.
Atendendo, porém, à forma como D. Pedro mandara colocar as arcas tumulares, torna-se mais simples a interpretação de toda a sua iconografia, uma vez que estas representações se completam através de um sistema de reenvio de mensagens de um túmulo para o outro. Apesar de a interpretação poder ser efectuada individualmente, ao analisarmos os dois túmulos em simultâneo a compreensão dos factos ocorridos e que constituem a trágica história de D. Pedro e de D. Inês são bastante mais esclarecedores.
Deste modo, olhando para a face testeira do túmulo de D. Pedro, verificamos a representação em dois tempos, da sua Boa Morte. No entanto, já no túmulo de D. Inês, encaramos com a cena do Juízo Final que se enquadra perfeitamente com os preceitos da Boa Morte de D. Pedro. No lado das cabeceiras, a correspondência faz-se entre a Cena do Calvário existente no túmulo de D. Inês e a Roda da Fortuna ou da Vida na arca de D. Pedro.
A correspondência existente entre a Boa Morte e a cena do Juízo Final, confirma uma vez mais a preocupação do homem medievo em cumprir os preceitos definidores da boa morte, nomeadamente, o processo da Extrema-Unção e o Viático, que lhe permitiam alcançar a vida eterna e chegar assim ao paraíso.
Desta forma, D. Pedro faz-se representar como cumpridor desses actos cristãos, definindo-se como merecedor da vida eterna onde, aliás, de acordo com a cena do Juízo Final patente na arca de D. Inês, aparece conjuntamente com sua amada na janela de uma das torres da Jerusalém Celeste.
Túmulo de D. Pedro I
Relativamente à representação da Roda da Vida ou da Fortuna, o círculo exterior relata-nos toda a vida do Rei, desde a sua coroação até à sua morte, passando por diversas fases em que nem as piores alturas foram poupadas. Já no centro da Roda, a iconografia manifesta a vontade do Rei em retratar no túmulo a sua trágica história de amor com Inês de Castro, verificando-se uma qualidade extraordinária na representação das personagens. A interpretação mútua com a cena do Calvário no túmulo de D. Inês é feita no sentido de D. Pedro associar o martírio da sua história com a própria vida de Cristo que culmina com a sua crucificação. O Calvário é representado no túmulo de sua amada com o intuito de relembrar o final trágico desta história com o assassínio de D. Inês.
Também nos lados maiores das duas arcas verificamos uma sequência de imagens que nos reportam para algumas histórias bem conhecidas e que preenchiam a mentalidade religiosa medieval. No túmulo de D. Pedro, encontramos a narração das cenas da vida do seu santo protector, S. Bartolomeu, desde a sua infância até ao martírio. Esta leitura deve iniciar-se pelo lado direito da Roda da Vida, rodeando-se o túmulo até chegarmos novamente ao local de partida. A única cena que interrompe esta representação é a da Boa Morte do Rei, por forma, como já explicámos, a ser correspondida com a cena do Juízo Final no túmulo de D. Inês. O facto de encontrarmos representados em inúmeros túmulos as imagens de alguns santos prende-se com a necessidade que o defunto tinha em encontrar alguém da sua confiança que o representasse perante Deus, alguém que o pudesse defender e reivindicar a sua salvação.
No túmulo de D. Inês encontramos representadas nas faces laterais da arca cenas da vida de Cristo, sendo que do lado direito e partindo da cena do Juízo Final está patente a sua Infância, da Anunciação até à apresentação no templo e do lado esquerdo a sua vida adulta que se inicia com a representação da Última Ceia, terminando com Cristo a caminho do Calvário onde finalmente remata com a cena da sua crucificação na face da cabeceira da respectiva arca.
Também nos lados maiores das duas arcas verificamos uma sequência de imagens que nos reportam para algumas histórias bem conhecidas e que preenchiam a mentalidade religiosa medieval. No túmulo de D. Pedro, encontramos a narração das cenas da vida do seu santo protector, S. Bartolomeu, desde a sua infância até ao martírio. Esta leitura deve iniciar-se pelo lado direito da Roda da Vida, rodeando-se o túmulo até chegarmos novamente ao local de partida. A única cena que interrompe esta representação é a da Boa Morte do Rei, por forma, como já explicámos, a ser correspondida com a cena do Juízo Final no túmulo de D. Inês. O facto de encontrarmos representados em inúmeros túmulos as imagens de alguns santos prende-se com a necessidade que o defunto tinha em encontrar alguém da sua confiança que o representasse perante Deus, alguém que o pudesse defender e reivindicar a sua salvação.
No túmulo de D. Inês encontramos representadas nas faces laterais da arca cenas da vida de Cristo, sendo que do lado direito e partindo da cena do Juízo Final está patente a sua Infância, da Anunciação até à apresentação no templo e do lado esquerdo a sua vida adulta que se inicia com a representação da Última Ceia, terminando com Cristo a caminho do Calvário onde finalmente remata com a cena da sua crucificação na face da cabeceira da respectiva arca.
Apesar de os jacentes não evidenciarem uma novidade no âmbito da escultura medieval nesta época, não deixam de revelar extrema beleza e, mais uma vez, encontramos aqui alguns traços da mentalidade medieval e que se traduz na atitude do homem perante a morte, mesmo na altura de se tumular. Assim, encontramos os jacentes assentes sobre almofadas duplas, como que uma forma de estarem mais erguidos e, como tal, mais próximos do céu, olhos abertos, rodeados de anjos a erguerem seus corpos para elevarem suas almas ao céu, D. Inês protegida por um baldaquino, uma forma de dignificar e prestigiar o jacente e D. Pedro acompanhado de um cão a seus pés, animal que simboliza a fidelidade.
Não esquecendo os suportes destas arcas tumulares, torna-se importante referir que também aqui se pretendeu transmitir algumas mensagens, nomeadamente, no caso de D. Inês de Castro em que a sua arca assenta sobre seis monstros de cabeça humana com capuz. Poderá subentender-se, neste caso, que estes monstros representam os assassinos de D. Inês, pelo que D. Pedro terá pretendido incluir os malfeitores na arca da sua amada, condenados agora a sustentarem o seu peso para todo o sempre. Na arca de D. Pedro, o suporte está garantido por seis leões que transmitem a força do poder real.
Não esquecendo os suportes destas arcas tumulares, torna-se importante referir que também aqui se pretendeu transmitir algumas mensagens, nomeadamente, no caso de D. Inês de Castro em que a sua arca assenta sobre seis monstros de cabeça humana com capuz. Poderá subentender-se, neste caso, que estes monstros representam os assassinos de D. Inês, pelo que D. Pedro terá pretendido incluir os malfeitores na arca da sua amada, condenados agora a sustentarem o seu peso para todo o sempre. Na arca de D. Pedro, o suporte está garantido por seis leões que transmitem a força do poder real.
TÚMULO DE D. JOÃO I E D. FILIPA DE LENCASTRE
Mosteiro de Santa Maria da Vitória - Batalha
É no Mosteiro de Sta. Maria da Vitória, na Batalha, que se encontra o túmulo conjugal do Mestre de Avis (D. João I) e sua esposa D. Filipa de Lencastre, mais precisamente, na Capela do Fundador. Possivelmente de origem inglesa e datado do século XV, este túmulo representa o modelo que dará origem, posteriormente, aos designados túmulos conjugais que serão utilizados preferencialmente pelos membros da família real. Na verdade, ao compararmos este túmulo com as arcas ferais de D. Pedro e D. Inês, verificamos uma grande pobreza iconográfica, nomeadamente religiosa, que será compensada com a presença da heráldica, das estátuas jacentes e dos epitáfios que simbolizam um desejo de imortalizar a memória real de uma forma individualizada. Os dois longos epitáfios em latim apresentados nos frontais da arca relatam os feitos gloriosos e as virtudes dos monarcas durante a sua vida, demonstrando desta forma as inúmeras qualidades de D. João I e quão grande religiosidade de D. Filipa, sua esposa. Os jacentes apresentam-se com um tratamento muito cuidado, representando-se o rei coroado, vestido com a sua armadura de prata ostentando as armas de Portugal e segurando a espada com uma das mãos enquanto que a outra se encontra enlaçada com a da rainha. D. Filipa, por sua vez, apresenta-se também coroada e com o respectivo livro de oras. Para além de ostentarem os baldaquinos, os jacentes assentam, como era usual, em almofadas duplas e apoiam os seus pés em mísulas, revestidas de folhagem. A sua postura demonstra uma atitude forte e respeitável, digna de verdadeiros monarcas. Mais uma vez, simbolizando a força do poder real, a arca repousa sobre oito leões.
Um dos pontos mais fortes neste túmulo conjugal é sem dúvida a presença da heráldica. Todos os túmulos existentes na Capela do Fundador, incluindo o do Mestre de Avis, incluem nas suas arcas enormes brasões que realçam a sua nobreza e dão a conhecer a respectiva Ordem a que o jacente pertencia. No frontal da cabeceira do seu túmulo, D. João I mandou gravar um enorme brasão com a cruz da Ordem da Jarreteira, respectiva divisa e legenda, Ordem que o Mestre de Avis recebera do rei de Inglaterra. As inscrições que encontramos no friso da tampa são as divisas do monarca (“Pour bien”) e da rainha (“Il me plaît”) que correspondem ao francês antigo. Os brasões pertencentes a cada um dos monarcas, D. João I e D. Filipa de Lencastre, são ainda visíveis nos baldaquinos que cada um deles ostenta.
Também no túmulo do Infante D. Henrique a heráldica é bem visível. De frente para o túmulo e da direita para a esquerda encontramos o brasão do Infante: Portugal-Avis com um banco de pinchar que se assemelha ao do seu irmão D. João. Este brasão é ainda encimado por uma capela de pano e folhagem, guarnecido com uma rosa de Lencastre. No meio, mais uma vez, a cruz da Ordem da Jarreteira e logo ao lado o brasão dos Cavaleiros de Cristo, cujo Grão-Mestre foi D. Henrique: a cruz de Cristo vermelha no escudo prateado. Seguindo mais uma vez o modelo tumular de seu pai, D. Henrique faz representar no friso da sua tampa a sua divisa, com a seguinte inscrição: “Talant de bien fere” (“disposição para bons actos”).
São a magnificência e a supremacia destes túmulos que os tornam exemplares únicos dentro do seu estilo e fazem do Mosteiro da Batalha, o seu último local de repouso, um local onde a memória da Inclita Geração ficará para sempre guardada...
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