O Tratado de Zamora na Origem da Bula de 1179(1)
É do conhecimento geral que foi a partir do reino de Leão que se formaram Castela e Portugal. Também todos sabemos os factos que sustentaram e enquadraram o nosso Reino de então.
“Todo começo é involuntário.
Deus é o agente.
O herói a si assiste, vário
E inconsciente.
À espera em tuas mãos achada
Teu olhar desce.
‘Que farei eu com esta espada?’
Ergueste-a, e fez-se”
(Fernando Pessoa, Mensagem)
Não deve confundir-se a Terra Portucalense – concessão dos dois territórios de Coimbra e de Portucale a D. Henrique – com a Terra de Portucale, que começou a existir desde a presúria de Vímara Peres, alargada em área pelos seus descendentes – embora nem sempre segundo uma linhagem perfeita – até à morte do último conde, D. Nuno Mendes, na batalha de Pedroso, que ocorreu a 18 de Janeiro de 1071, perto da freguesia de Pedroso, junto a Tibães (Braga), quando tentava conseguir maior autonomia face a Garcia II da Galiza, que governava o Reino da Galiza e Portugal de seu pai, Fernando I, o Magno(2).
Todavia, o atrofiamento do condado de Coimbra, criado em 878, mas suprimido com a conquista da cidade por Almansor no final do século X, permitiu a supremacia nortenha, que nem mesmo a reconstituição de uma autoridade equivalente à do conde – em benefício de Sesnando Davidíz, em 1064, e prolongada até à sua morte, em 1092 – pôde impedir.
Em 1085, ao que parece a título definitivo, D. Henrique [1066-1112](3) está na Península(4). Pertencia à família ducal da Borgonha, sendo filho de Henrique, herdeiro do duque Roberto I com Beatriz ou Sibila de Barcelona, de quem era neto, e irmão dos também duques Odo I e Hugo I.
Sendo um dos filhos mais novos do casal, D. Henrique tinha poucas possibilidades de alcançar fortuna e títulos por herança, aderindo, por isso, à conquista da Península Ibérica. Veio para a Hispânia com o objectivo de participar na luta contra os Almorávidas. Ajudou, então, o rei Afonso VI de Leão e Castela a apoderar-se da Galiza, que compreendia aproximadamente a moderna Galiza e o Norte de Portugal, recebendo, como recompensa pelos serviços prestados, a autorização de casamento com a filha ilegítima do monarca, D. Teresa de Leão(5) , já depois da concessão do governo do Condado. Com ela, passou a cônsul de uma terra pro sua hereditas, o que é diferente. Seu primo, Raimundo que estará por cá nesse mesmo ano, em Março de 1087 é tenente Galleciae per iussa regis generum, tendo-se iniciado a administração desta por 1093, casando-se em 1094.
Alguns anos mais tarde, em 1096, D. Henrique acabou por receber de Afonso VI a Terra Portucalense, território até ao momento dependente do reino de Galiza, passando a prestar vassalagem directa ao Imperador totius Hispaniae. Pretenderia o imperador, deste modo, limitar o poder do conde Raimundo da Borgonha(6), casado, então, com a sua filha legítima, Urraca de Leão e Castela. Colocava, assim, Afonso VI um território seu vassalo, entre a Galiza e os reinos dos Mouros, limitando as possibilidades de Raimundo conquistar mais terras e riquezas, impedindo-o de dilatar, por esta via, o seu feudo. Em 1099, já Teresa e Henrique dominavam do Minho ao Tejo.
A Terra Portucalense, após ter sido apropriada por D. Henrique ao primo, depois de 1100, tinha, sensivelmente, os limites do território português de hoje, a Norte de Santarém, inflectindo para a zona imediatamente a Sul de Coimbra, no grande vale do Mondego.
Resumindo:
Para D. Henrique:
- 1098 : “in Colimbria… et in Portugal »(7)
- 1098 : « in Coimbria »(8)
- 1100 : « in Colimbria »(9) e « in Portugale et in Sanctarem »(10)
- 1103 : « dominante Portugale et Colimbria »(11)
- 1104 : « in Colimbria et in Sancta Aren et in Portugal »(12)
- 1105 e 1106 : « in Colimbria »(13)
Para D. Teresa :
- 1115 : « in Colimbrie »(14)
Para Fernando Peres de Trava e outro caso :
- 1121: “dominante Colimbria et Portugalli”(15)
- 1132: “Portugali comes Rodericus”(16)
O diploma relativo à doação do condado parece não ter existido.
Na verdade, não o conhecemos.
Inclusivamente, sublinhamos o facto de ser hipótese mais segura a da não existência do documento, dado que, tendo em vista a alta estirpe dos intervenientes e, por outro lado, o facto de Afonso VI não ser contrário a soluções verbais, podemos de tudo isto deduzir o modo simplificado como, segundo as crónicas medievais, foi atribuído o senhorio da Galiza ao neto Afonso Raimundes e como depois o legou a Urraca(17). O mesmo poderia acontecer também com o de Portugal. E por certo foi isso que sucedeu.
Sendo assim, temos tão-só o testemunho de um ou outro documento em que se encontram reparos à situação da terra de Portugal ou do cônsul D. Henrique, onde nos é possível achar alusões à situação de Portugal ou do 1.º cônsul que aí exerceu o seu imperium, e ainda indicações das quais tem procurado reconstituir-se a caracterização jurídica da doação da Terra. Cremos estar em causa uma doação a título hereditário e sob a forma de feudo(18), isto é com a plena transmissão do domínio sem qualquer reserva, o que correspondia ao alódio franco.
No entanto, não podemos excluir a situação comum para a época que consistia em D. Henrique, como vassalo de Afonso VI, ter o dever de lealdade, de participar na guerra – quando para isso fosse convocado –, de prestar conselho nas sessões da cúria mandada reunir pelo sogro, ou fora dela. Tratava-se de um verdadeiro direito de propriedade e nunca de uma mera posse beneficiária(19).
Estas primeiras impressões – não, de todo, aqui exaustivamente tratadas, porque impossível – pareceram-nos, contudo, de especial importância, pelo facto de nos podermos interrogar:
1.º Por que razão haveria o conde portucalense de deter a terra de forma diferente dos demais condes soberanos, Vímara Peres e Mumadona Dias, por exemplo, os quais o antecederam vários séculos?!
2.º E ainda por que terá D. Teresa sucedido ao marido, à morte deste, verificada em 1112, e depois o Príncipe D. Afonso Henriques, filho de ambos, após a batalha de São Mamede, em 1128, sem qualquer oposição de Urraca ou de Afonso VII? Que tipo de sucessão teria sido a de D. Teresa a D. Henrique e a de D. Afonso Henriques, após o afastamento da mãe?
Respondemos: D. Teresa sucede ao marido por falecimento deste, em 1112, ao que parece, por direito de herança. E o filho de ambos vai seguir-se a sua mãe, quando esta é vencida em São Mamede e afastada do governo, em 24 de Junho de 1128, sem reacção por parte de Afonso VII, já rei da Galiza, desde 1111 e de Leão, em 1126 e de Castela, em 1127, e, à semelhança do que sempre sucedeu na terra da Galiza e de Portucale, sob o governo dos condes soberanos e do reino de Leão que sempre passaram a Coroa ou o mero império sem contestação alguma.
Em momentos tão críticos como este, D. Afonso Henriques sentia, por certo, um crescente apoio dos senhores do Entre-Douro-e-Minho, assim como de alguma nobreza galega. Não será este facto difícil de explicar: tratava-se da nobreza instalada, que contribuía para estabelecer a fronteira entre a Terra Portucalense e a Terra da Galiza. Fernão Peres de Trava, casado com uma senhora que só vem a falecer em 1143 na Galiza, era filho de um dos mais importantes nobres galegos que fizeram frente a Afonso VI, depois a D. Urraca e ainda a Afonso VII, quando este era tão-só rei da Galiza, a partir de 1111. O rei teria os seus dezasseis anos.
Não contava o nosso Príncipe com a amizade da grande maioria dos apaniguados do rei e de D. Urraca, para mais esta casada com Afonso I de Aragão e Navarra. Também este monarca e o Reino que ele governava foram sempre dissidentes da Coroa imperial, totalitária e hegemónica de Leão e Castela.
Depois, a nobreza do Entre-Douro-e-Minho adivinha e reconstituíra-se em estirpes feudais, donas de terras de médias dimensões, mas, em grande número e, já desde Fernando I, o Magno, poderosa nas áreas de Coimbra, Viseu, Lamego, Tarouca, Seia, Guarda, entre outras. Eram poderes e bases de sustentação que os movimentavam num espaço já um tanto alargado.
FERNANDO I
Terra feudal, senhores independentistas desde o Conde D. Henrique…era o cenário propício para que D. Afonso Henriques mostrasse também aos seus e às gentes dos reinos vizinhos que, na sua terra, quem é o soberano é ele, não admitindo outro poder superior ao seu. Afonso prepara-se para vir a ser o detentor da suprema jurisdição, para ter o exclusivo imperium na Terra que herdara e não pretenderia, então, ter de reconhecer a suprema administração da justiça a seu primo, na época, apenas rei da Galiza, como o temos dito; nem a Urraca nem ao marido desta, o mesmo seria dizer a Castela e a Aragão.
D. Afonso Henriques dirige-se a Zamora, à Catedral, e, ao invés de pedir a um cavaleiro que o armasse a si cavaleiro, em vez de solicitar ao bispo presente que o fizesse… arma-se a ele próprio como tal, e toma, desta feita, também, a chefia da hoste para se ir libertando do inimigo, fosse ele castelão ou sarraceno, normando ou almóada.
A sós, na governação da sua Terra, desde 24 de Junho de 1128, somos obrigatoriamente levados a verificar que o nosso infante não foi pedir a Afonso da Galiza, nem a Urraca de Leão que destituíssem D. Teresa do governo e o investissem a ele, como, naturalmente, seria de fazer se se entendesse que a autoridade era exercida em nome e por delegação dos monarcas, sua tia e primo. E, a 3 de Agosto de 1128, já o próprio se intitula “Príncipe de toda a Terra Portucalense, pela verdadeira Providência Divina”(20), ou, como num diploma de 6 de Abril desse mesmo ano, “pela Divina Providência, feito senhor em pacifica posse de Coimbra e de todas as cidades de Portugal”(21). Ou seja, “pela Graça de Deus” e não por concessão de outros.
Afonso de Portugal projecta também conquistas na Galiza. Devia pretender tomar aí algumas praças, a fim de estender para norte do rio Minho o seu poderio, sobretudo desde que a região era parte de um grande império e se achava fora das vistas do poder central. Por várias vezes, investe, é perseguido pelas hostes do primo, não sem que lhe tivesse sido dado tempo para fundar castelos e tomar terras.
As consequências são conhecidas de todos: a luta contra os Trava, em 1128 e a morte de D. Teresa, em 1130 levam-no a assédios na Galiza, com propósitos meramente defensivos. Entre 1131 e 1133, volta, de novo, as suas atenções para a fronteira galega, onde, após ter anexado o território limiense, manda construir o castelo de Celmes. De imediato, interveio Afonso VII que anulou a vitória do primo e invadiu mesmo o território português, apoderando-se do castelo de Ribeira de Pena. Volta, em 1136, com a ajuda de Navarra, vem a obter a vitória de Cerneja, que lhe poderia entregar os territórios de Toronho e Limia, não fosse a nova intervenção de D. Afonso VII, que o fez recuar e que levou ambos a assinar a paz em Tui, em Junho de 1137.
Deste tratado advieram também outras consequências, a saber:
Em primeiro lugar, a obediência ou subordinação de Afonso Henriques a seu primo, Afonso VII, ficando, no entanto, “presa” apenas por Astorga, cuja tenência o rei de Leão lhe entregou.
Em segundo lugar, a crescente actividade dos Almorávidas que levariam Afonso Henriques a Ourique e Afonso VII a Oreja.
Estes passos serão suficientes para podermos assegurar como terá sido fácil entender, mas difícil de aceitar, a política que D. Afonso Henriques levava a termo para cortar as amarras da dependência do rei de Leão e tornar-se, infalível e indubitavelmente, independente, ele e a sua Terra, tome ela a designação que os documentos lhe queiram dar.
Para tal, Afonso Henriques, se começou por atacar peças do território que era propriedade da Coroa de Leão, num segundo passo, recusa prestar vassalagem ao primo, enquanto imperador da Hispânia.
E sempre foi assim, se atendermos ao tipo de comportamento que D. Afonso de Portugal escolhe para refrear as forças do Rei de Leão.
Afonso Henriques sucedia a uma forte e célebre estirpe de condes soberanos. Estes tinham as terras sob a forma de feudos, delas davam e vendiam o que queriam. Compravam outras. Emancipavam localidades com cartas de povoamento de foro e de foral. Enfim “reinavam” sem “reino”.
O poder acrescido de D. Afonso VII tirava força a D. Afonso Henriques, aquela de que este necessitava para atingir a independência, e poder continuar a passar a sua terra para seu filho e deste para seu neto e, assim, sucessivamente.
Independente era já a Igreja bracarense, embora conflitos houvesse sempre, tendo apenas definido as suas áreas de influência em 1199, com reajustamentos muito posteriores, no que diz respeito às contendas com o arcebispado de Compostela. Quanto ao de Toledo versus Braga, os toletanos cometeram sempre abusos contra aquela última. Também os contornos da terra portugalense iam-se alargando e definindo cada vez mais e com uma maior em precisão. A vassalidade centrada na tenência de Astorga era um primeiro passo. O seguinte seria considerar a Santa Sé como sua exclusiva suserana, negação a qualquer tipo de autoridade de D. Afonso VII, sobre os domínios de D. Afonso Henriques.
É curioso que, nas disputas de D. Afonso Henriques com seu primo, este, mesmo quando vencedor, não tenha nunca exigido a vassalagem do príncipe portucalense como tal, mas sim o título de tenente de outras terras fora do espaço português. Nada sabemos quais tivessem sido, aquando da Paz de Tui em 1137, mas temos conhecimento de que, na conferência de Zamora, em 1143, foi reconhecida a realeza de D. Afonso Henriques, no encontro deste com o primo, na presença de um delegado papal. Foi o senhorio de Astorga – como dissemos acima -, fora de Portugal, que ficou a ligar o novo rei à suserania do imperador, seu primo direito(22). Veremos adiante.
Faltava-lhe um grande acto de coragem que nada tivesse a ver com implicações contra o primo que lhe permitisse mostrar-se aos olhos dos seus vassalos e súbditos como um forte elo de ligação e de consequente liderança.
Na verdade, era chegada a grande oportunidade e, aparentemente, única, pois, na sua vida de guerreiro, nada mais houve de tão oportuno, difícil, temeroso e propício que tivesse sido devido a uma grande derrota ou a uma estrondosa vitória. Nada de meio-termo, como havia sucedido antes e ainda acontecera depois. A 25 de Julho de 1139, encontrou-se em Ourique, provavelmente, nos termos da então vila de Santarém, em Vila-Chã de Ourique, para defender aí a linha de fronteira do Tejo para Norte. Ao seu encontro tinha vindo um poderoso exército de infiéis, liderado por reis mouros das principais taifas peninsulares. Todos quantos o aguardavam foram, então, alvo de uma completa revolta, tendo D. Afonso Henriques alcançado a sua retumbante vitória que ficaria na História europeia, dado que Roma dela teve conhecimento, de modo a, possivelmente, ter enviado emissários diplomatas ao Imperador Leonês que combatera em Oreja, mas que devia aceitar a superioridade da técnica militar de D. Afonso Henriques.
Qual teria sido? Ignoramos, por completo. Mas podemos acreditar que o factor surpresa tivesse sido uma das armas do grande líder português e, muito provavelmente, a técnica do cerco, precursora do quadrado de finais de Trezentos.. Foi uma batalha, uma investida em terras ocupadas pelos Mouros, sob a forma de fossado, sob o calor de Julho. As presas eram nossas e o quinto pertencia a Afonso Henriques. Nada que se saiba fora enviado a seu primo, o Leonês. E o quinto das presas era e foi sempre um direito real herdado da Roma Imperial, dos Godos romanizados e do Islão.
A vitória de Ourique, fosse ela onde fosse(23), deu ainda novo alento e maior força de ânimo aos companheiros de D. Afonso Henriques, para continuarem a Reconquista Cristã que se havia traduzido, até então, em presúrias, fossados e cavalgadas contra a mourama.
De acentuada projecção política, a Batalha veio a contribuir para um efectivo uso do título de rei, por D. Afonso Henriques. De facto, nos documentos régios, o Príncipe começa a intitular-se, preferentemente, de Rei, filho de um conde e de uma rainha e neto do rei Afonso, imperador da Hispânia, pela vontade de Deus. Trata-se assim, de um Rei, filho de Rainha e neto de Imperador, pela Graça Divina.
A partir de 1139, D. Afonso Henriques assume internamente, o título de rei e o processo de autonomia de Portugal dava um paço de gigante. Integrado numa unidade de política maior, o Império de Leão, o nosso pequeno condado não tinha qualquer viabilidade de deter uma autonomia total, mas outra fronteira havia sido transposta na consecução dos desejos do nosso Príncipe.
*
Ciente da sua força militar, após Ourique, o Príncipe português lança-se de novo sobre a Galiza, em 1140, a fim de anular o clausulado da Paz de Tui. Afonso VII, respondendo a esta afronta, invadiu, por sua vez, os territórios do Condado, avançando até muito perto de Arcos de Valdevez. Travou-se, de imediato, um torneio, de que os Portucalenses saíram vencedores.
Foi o próprio rei de Leão quem propôs a paz e, sem mais delongas, Afonso Henriques solicita uma entrevista ao Imperador, seu primo, a qual tomou lugar em Zamora, a 5 de Outubro de 1143. À mesa das negociações sentaram-se o Imperador de Leão e Castela, o delegado do Papa e D.Afonso Henriques Rex Portucalensis. De ambos os lados, tomaram acento escrivães e tabeliães, além de importantes testemunhas de ambas as partes. No convénio, afirmou-se o reconhecimento da fundação de Portugal e o título de rei para seu primo, cansado de esperar.
A 13 de Dezembro seguinte, Afonso Henriques envia uma carta ao Papa, a prestar-lhe vassalagem, a colocar-se e ao reino sob a protecção de S. Pedro e da Santa Sé e a comprometer-se, por si e sucessores, a pagar àquela um censo anual. No texto da carta Claues regni coelorum, o Príncipe declara-se “Eu Afonso, rei dos Portucalenses, pela Graça de Deus”, oferecendo a sua terra ao beato Pedro e à Santa Igreja Romana, com a solvência, ano a ano, de quatro onças de ouro”(24). Acontecia que – mesmo reconhecido pelos presentes, em Zamora, como Rei de Portugal e Portugal, consequentemente, como Reino –, as decisões aí tomadas teriam de ter o reconhecimento oficial da Santa Sé, para que, no alargado campo internacional, a titulatura e a categoria fossem acreditadas por todos os Países do Sacro Império Romano Germânico. Tinha-se, então, perfeita consciência de que o pontífice romano era o líder do Direito Internacional da época.
Quem respondeu foi Lúcio II. O Papa Inocêncio a quem D. Afonso Henriques havia endereçado a carta a solicitar a respectiva bula falecera, entretanto.
O Príncipe português recebeu uma missiva do novo Pontífice, a qual lhe foi entregue pelo Arcebispo de Braga, D. João Peculiar. Era a carta Devotionem tuam, de 1 de Maio de 1144.
Quanto nos é dado concluir, tudo leva a crer da não existência de qualquer reacção de Afonso VII à vassalagem proposta pelo rei Português antes de 1148, ano em que, se, porventura, terá tido conhecimento desta carta, o que faz jus ao princípio de que da Devotionem tuam não tivessem surtido efeitos positivos para a autonomia portuguesa. Afonso VII, só depois, ter-se-ia dado ao incómodo de protestar junto da Santa Sé, provavelmente, alegando a unidade requerida para levar a bom termo a Reconquista e ainda o perigo que advinha para o seu Reino o primo tornar-se vassalo de Roma, anulando os poderes de Leão sobre o Condado Portucalense.
protesto fundamentava-se ainda no facto de que o Papa lhe estaria a “diminuir o senhorio e a dignidade, e a quebrar os foros da monarquia, e de que tivesse aceitado algumas pretensões de Afonso Henriques e concedido outras que este pretendera, de modo que os direitos da Coroa leonesa eram lesados, ou antes destruídos, com uma injustiça não transitória mas perpétua”, conforme Alexandre Herculano o refere, explicitamente, na sua História de Portugal.
Assim, Lúcio II chama Dux a Afonso Henriques e Terra a Portugal. Aceita a vassalidade, e a tença de quatro onças de ouro anuais. Manda-o prosseguir a luta contra os infiéis e a conservação consequente do espaço territorial já adquirido pela Cristandade.
O papado de Lúcio II durou apenas um ano, tempo, no entanto, suficiente para produzir estragos e manter Portugal sob a alçada das duas entidades de sempre: Roma, e Leão e Castela.
Conforme a vontade do papa e porque era desiderato também do Príncipe ou Infante de Portugal, este continua com as lutas contra os Muçulmanos e, após a tomada de Santarém em 1147, conquista Lisboa, o que se traduz num facto que ecoa por toda a Europa. A vitória sobre Santarém teve lugar em 15 de Março de 1147 e vem citada na Chronica Gothorum(25), e a conquista da cidade ulissiponense obrigou a um cerco cerrado que durou de 1 de Julho de 1147 a 25 de Outubro deste mesmo ano. Os dois testemunhos coevos da subtracção da futura capital à Mourama são as cartas dos cruzados Osberno e Arnulfo.(26).
A tomada contou com o apoio dos Cruzados em trânsito para o Oriente, constituindo o único sucesso da segunda Cruzada.
Com efeito, após a queda de Edessa (o nome histórico de Syriaca, cidade da Turquia), em 1144, Eugénio III convocou a cruzada para 1145 e 1146, consentindo numa para a Península Ibérica.
Na realidade, desde cedo – digamos que, desde o pontificado de Urbano II, nos primeiros meses da Primeira Cruzada em 1095 –, a Santa Sé havia requerido aos Cruzados ibéricos que permanecessem nas suas terras, já que a sua própria guerra era considerada tão honrosa como a de quantos tomavam a direcção a Jerusalém. Autorizou ainda a ajuda aos hispânicos, por forças conjuntas de Marselheses, Pisanos, Genoveses e Colonienses, além de gentes de outras grandes cidades do Mediterrâneo.
Enquanto se batiam os guerrilheiros e salteadores cristãos contra Castelhanos e Mouros, as zonas de Portugal mais fora de perigo iam-se povoando e promovendo, lembrando nós, aqui, que povoar ou repovoar significava reconstituir a Igreja, tratar do ordenamento administrativo de povoados adquiridos, reconstituir infra-estruturas de passagem e defesa, e desenvolver a agricultura, começando pela base – o pão e a vinha –, que daria azo, pouco mais tarde, a um comércio, não importava que rudimentar fosse.
O campo e os frutos do seu cultivo, tratando-se fundamentalmente da produção daqueles dois plantios essenciais, constituíam o alimento mais importante da sociedade feudal, sendo a base da subsistência e do sector económico.
A par, instituíam-se comandos baseados no direito consuetudinário que pudessem ser cada vez mais comuns aos concelhos que iam recebendo forais desde o início do governo de D. Afonso Henriques, ou confirmando os anteriores desde Fernando I, o Magno a D. Teresa, já viúva(27).
Desde 1168, o infante D. Sancho, segundo filho varão de D. Afonso, – o primeiro entre os vivos –, é associado ao trono, – usando, desde logo, o título de rei e constituindo Cúria própria –, para se encarregar dos assuntos diplomáticos, enquanto D. Afonso Henriques se atinha sobretudo às habituais e já constantes lides da guerra. Após o desastre no cerco de Badajoz, em 1169, dá-se precisamente o inverso: D. Sancho que completa quinze anos, fica com o ministério da guerra interna e externa, auxiliando pelo “Estado-Maior” sob as ordens do pai, e este, incapacitado, preocupa-se com os assuntos da sua Chancelaria e com as relações diplomáticas com o Estrangeiro, desenvolvendo um processo de progressiva centralização, com base numa crescente burocratização administrativa e na limitação ou concessão de poderes aos grupos sociais que influenciavam e contribuíam para a supremacia da Coroa. Este um indício claro de que a sucessão far-se-ia por herança. Já D. Afonso Henriques sucedera a seu pai por direito de herança, visto o Condado Portucalense estar na posse do conde jure haereditario.
Por certo, vai ser a partir deste ano que Afonso reinicia uma correspondência com a Santa Sé, hoje, em parte, fora dos nossos arquivos. Terá, assim, mais tempo para voltar aos assuntos da Paz de Tui (1137), para rever o pactuado em Zamora (1143), a sua correspondência então com o Papado (1143, 1144 e ss.), as bulas e letras que recebera e que, contrariamente ao estabelecido, ao invés de o confirmarem como Rex de um Regnum, o apelidam de dux de uma terra.
Havia que fazer regressar céleres o seu pensamento e linhas de acção dos anos longínquos de Inocêncio II, Lúcio II e papas seguintes(28) e pactuar, outra vez, com o novo Sumo Pontífice, as cláusulas dos tratados anteriores e quanto estes haviam fixado para a independência de Portugal.
Seríamos, de facto, autónomos. D. Afonso havia-se tornado vassalo exclusivo de Roma, contrariando a situação estabelecida em Tui por seu primo Afonso VII. Mais um desafio dirigido ao governante do “Estado” vizinho, que calou, como vimos.
A situação não seria, na verdade, fácil de resolver, pois não havia interesse para Leão nem para a Santa Sé que se formasse um outro reino independente na Península. Primeiro, porque Roma não gostaria de desagradar a Leão. Nem tão pouco dar azo à indigitação de mais um líder da Reconquista e da luta contra o infiel, no velho espaço romano, suevo e godo. Seriam cerca de seiscentos anos de domínio cristão na Península, contra oitocentos de ocupação e reocupação pelos Mouros. Um só dirigente na luta aguerrida em que sempre se tornou a expulsão dos Sarracenos era o que interessava e quanto bastava. Punha-se o problema, a partir de 1170, de como voltar à velha questão.
Ocupava agora o trono pontifício Alexandre III. Problemas difíceis de ultrapassar haviam oposto os seus antecessores ao Imperador do Sacro Império Romano Germânico que pretendia estender os tentáculos às matérias do foro espiritual que competiam a Roma, pois era Deus quem dava as coroas na terra e que, sendo o Papa o seu vigário a ele pertencia ser o executor da vontade suprema: “terram tibi a Deo comissam”.
Roma lembrava, então, de novo, a máxima baseada nas palavras do Evangelho que ensinam que a Igreja comporta duas espadas, ambas em seu poder: a espada espiritual e a espada temporal. Mas, enquanto a espada temporal tem de ser usada em prol da Igreja, a espada espiritual deve ser utilizada pela Igreja. Ou seja: o espiritual deve ser manuseado pela mão do padre, enquanto o temporal, pela mão dos reis e cavaleiros, com o consenso e segundo a vontade do padre. Uma espada dever estar subordinada à outra espada; a autoridade temporal deve ser submissa à autoridade espiritual.
Desta forma, e por outro lado, a melhor maneira de coarctar a autoridade do Império estaria em diminuir-lhe os poderes temporais. Roma, constituindo reinos novos na Europa, interferia com a temporalidade imperial, mas à Santa Sé coube sempre a confirmação do que, em sessões laicas, com ou sem a presença do papa, haviam tomado lugar. Se estava em causa uma autonomia, uma eleição de arcebispo, uma modificação das resoluções de tratados que fossem contra as normas da Igreja, o Papa interviria sempre.
Frederico, Barba Ruiva desejava restaurar as glórias do Império Romano, motivo pelo qual decidiu consolidar a posição imperial tanto na Germânia como na Península Ibérica, confrontando, com isso, o próprio Papa, desafiando, desde o começo de seu reinado, a autoridade deste e visando estabelecer o domínio germânico na Europa ocidental. Inicialmente, o seu principal objectivo teria sido o de pacificar o Pais para depois se concentrar na dominação germânica na Itália, para onde empreendeu numerosas expedições militares, a fim de cumprir os seus propósitos. Chegou a proteger o antipapa Victor IV, durante o Cisma, ofendendo directamente o bispo de Roma.
No entanto, da parceria estabelecida, até então profícua para ambos, entre o Trono e o Altar, este era o século em que a Igreja se afirmava por meio da reforma gregoriana, a qual preconizava a separação entre poderes laicos e eclesiásticos como meio de se subtrair ao poder imperial. O munus espiritual, contudo, devia, nesta concepção, prevalecer sobre o secular, dada a sua origem divina, podendo o Papa destituir reis e príncipes. Este poder era superiormente abrangente e pretendia, pela subordinação, disciplinar e moralizar o sector político. Apesar de a Igreja continuar a enquadrar o laicado ao longo dos séculos (salvo durante a Reforma), é essa divisão medieval que estará na base da separação definitiva entre os dois poderes, a partir de então e até ao século XIX. Enfim, era o Sumo Pontífice que, nas matérias espirituais, governava toda Cristandade e conduzia os governantes, intrometendo-se igualmente em todas as questões atinentes ao poder temporal, porquanto cria necessário fazê-lo, em muitos casos, para atingir os fins da Igreja, como promotora da salvação dos homens (poder indirecto sobre as coisas temporais).
Alexandre III, com uma superior visão do mundo da época e com novas soluções para o caso peninsular, dera conta de que a Hispânia havia perdido a unidade sob um Império, à morte de Afonso VII, verificada em 1157. Ao invés, o Sumo Pontífice depara com dois reinos – o de Leão por um lado, o de Castela, por outro. Mais não fez do que expedir, finalmente, a bula que daria a independência pretendida por D. Afonso Henriques: a Manifestis probatum de 23 de Maio de 1179(29), que confirmava o Tratado de Zamora, nas cláusulas atinentes à independência de Portugal como Reino e ao título de Rei para o seu governante e ainda o desejo interesseiro de Lúcio II, expresso nas antigas letras Devotionem tuam, de 1144, quando aceitou o juramento de vassalidade de Afonso Henriques e declarou contar com ele no prosseguimento ininterrupto da luta contra os infiéis.
Esta bula, no que tem de mais especial, segundo Herculano, é o facto de confirmar ao rei de Portugal o domínio de todos os territórios tomados aos Sarracenos, sobre os quais não pudessem provar ter direito os príncipes comarcãos. Estas concessões eram ainda feitas a título hereditário, a todos os seus sucessores, aos quais a Santa Sé tomava, como ao Príncipe de Portugal, sob a sua especial protecção(30).
Assim, podemos concluir que Alexandre III satisfez todas as condições que D. Afonso Henriques colocara a Inocêncio II. O rei de Portugal quadruplicava agora a quantia anual que solvia à Cúria Romana através do arcebispo bracarense, prometendo, dois marcos de ouro(31). Sem dúvida alguma que o censo, então, quadruplicado e equivalente a quase quinhentos gramas de ouro tinha o seu peso na decisão romana. Mas há que aceitar, sobretudo, o facto de Alexandre III ser um europeísta, ter novas ideias quanto à multiplicação dos reinos e consequente abolição dos impérios, dado que ele mesmo quereria interferir na temporalidade, campo específico do Imperador, na ocasião, Frederico Barba Ruiva. A sua decisão, aos olhos de Afonso I de Portugal consistiu na ratificação dos factos e em favorecer especialmente a ascensão daquele que, desde 1143, aumentava o predomínio da Igreja Romana na Península Hispânica. Reconhecendo-lhe o título de rei e confirmando-lhe, por outro lado, todas as vitórias sobre os Muçulmanos, passadas e promissoras, o Papa aceitou, sem mais, as condições aduzidas pela Cúria, trinta e cinco anos atrás. É que, na Hispânia, a Reconquista não era um dos factores a considerar na união dos vários Príncipes(32).
A presente bula, repetida, mais tarde, por Clemente III (7 de Maio de 1190), Inocêncio III (16 de Abril de 1212) e Honório III (11 de Janeiro de 1218), assume um importante relevo histórico, uma vez que constitui, simultaneamente com o reconhecimento da independência de Portugal, o da Reconquista portuguesa pelo árbitro político da época, o Papa, o qual nela marca a atitude de Roma perante as lutas de Portugal contra a Mourama, inimiga dos Cristãos, e sintetizada nestes pontos que seguem:
1.º Aprovação da luta da ‘Reconquista’, pois considera-a como uma forma de aumentar e propagar a Fé em Cristo;
2.º Reconhecimento a Portugal dos territórios que os seus milites subtraíram aos Sarracenos e não reclamados pelos príncipes cristãos circunvizinhos;
3.º Expressão, pela primeira vez, da legitimidade dos Portugueses se expandirem, expulsando os Mouros que se iam, de facto, posicionando cada vez mais a Sul;
4.º Ainda a alusão à dispensatio coelestis, ou seja, ao poder que o rei de Portugal tem na sua terra e sobre o seu Povo, que lhe é deferido ou dispensado por Deus, nos Céus. Também Afonso Henriques tem, a partir de agora, um Reino em que reina como Rei, pela Graça de Deus.
Todos aqueles três contemporâneos vêm a falecer perto uns dos outros:
O Papa Alexandre III, a 3 de Agosto de 1181;
O Rei D. Afonso Henriques, a 6 de Dezembro de 1185;
O Imperador Frederico I, a 10 de Junho de 1190.
O legado do governo do então rei D. Afonso I de Portugal foi, entre outros:
* O estabelecimento da “nacionalidade” que veio a ser reconhecida pelo Papa e pelos outros Reis da Europa.
* A pacificação interna do “Estado” e o alargamento do território, através de conquistas aos Mouros, empurrando as fronteiras da Terra Portucalense para Sul.
* O reforço da autonomia da Diocese de Braga, em relação a outras primazias consideradas, estabelecendo-se a independência da Igreja “nacional”.
* O uso do aparelho burocrático, a par de um estado de guerra permanente: a luta contra Mouros e Castela; diplomacia consertada com Roma, Castela e Aragão: era a descentralização que se impunha.
* A fixação das regras sucessórias, porque, segundo Alexandre III e a sua ideia de “Constituição” do “Estado” português, a nova monarquia era hereditária.
* Finalmente, a fundação do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra em 1131, onde se encontra o seu túmulo, ao lado do filho D. Sancho I.
Assim, em duas palavras, eis o balanço que pudemos fazer do reinado do primeiro monarca português: a Independência de Portugal e o nascimento da mais velha monarquia europeia. Ficámos-lhe todos, por isso, a dever Portugal.
João Silva de Sousa
(Conferência em Torredeita/Viseu, 2009/03/14)
(1) Conferência em Torredeita, proferida a 28 de Março de 2009, por João Silva de Sousa, Comissário-Geral das Celebrações dos 900 Anos do Nascimento de D. Afonso Henriques; Professor do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; Académico Correspondente da Academia Portuguesa da História.
(2) À morte de Fernando I, o Magno, sucederam-lhe os seus três filhos. Garcia ficou com a Galiza e Portugal e as párias de Badajoz e Sevilha; Sancho herdou Castela e as párias de Saragoça; Afonso, o reino de Leão e as párias de Toledo; Urraca passou a deter na sua posse Zamora e Elvira ficou com Toro. O que se passou concretamente com Garcia II foi, após assumir o governo, ter tomado por vassalos os nobres de Entre-Douro-e-Minho. Casos foram vários, encontrando forte oposição por parte de Nuno Mendes, o último representante da dinastia condal portugalense, que morre em confronto com a hoste régia, em 1071. veja-se Maria Ângela Beirante, “A ‘Reconquista’ Cristã”, in Nova História de Portugal, direcção de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, Vol. II. Portugal. Das Invasões Germânicas à‘Reconquista’, coordenação de A. H. de Oliveira Marques, Lisboa, Editorial Presença, 1993, 3.ª Parte, pp. 264-265.
(3) Veja-se Damião Peres, Como Nasceu Portugal, 5.ª ed., Porto, 1959 e bibliografia aí aduzida. Armando de Almeida Fernandes, Do Povo Veio Portugal (séc. V-XII), Porto, 1965.
(4) Ver A. de almeida Fernandes, Portugal Primitivo Medievo, Arouca, 2001, p. 281.
(5) Do seu casamento com Teresa de Leão nasceram: Urraca Henriques (ca. 1095), casou-se com D. Bermudo Peres de Trava; Sancha Henriques (ca. 1097-1163), casou-se com D. Sancho Nunes de Celanova e com D. Fernão Mendes, senhor de Bragança; Teresa Henriques (ca. 1098); Henrique (ca. 1106-1110); Afonso Henriques (1109-1185), primeiro rei de Portugal, casado com Mafalda, condessa de Sabóia.
(6) Raimundo de Borgonha, casado, em 1090, com Urraca de Leão e Castela, foi o 3.º filho de Guilherme I, conde da Borgonha e Mâcon, e de Adelaide da Normandia, filha de Ricardo II da Normandia e de Judite da Bretanha. D. Henrique da Borgonha era filho de Henrique, herdeiro do duque Roberto I com Beatriz ou Sibila de Barcelona e irmão dos também duques Odo I e Hugo I. Era casado com Teresa de Leão, meia-irmã de Urraca e primo de Raimundo porque o pai deste era irmão da mãe de Henrique.
(7) Cf. PMH, DC, doc. 884;
(8) Ibid., doc. 889;
(9) Ibid., doc. 931;
(10) Doc. cit. por Torquato de Sousa Soares, Reflexões, Vol. I, p. 17;
(11) DMP., DP., 112;
(12) Cf. Torquato de Sousa Soares, Refllexões, Vol. I, p. 17;
(13) DMP., DP., 199 e 213;
(14) DMP, DP., 506;
(15) ML, III9 c.2;
(16) DMP., DR., 127. Vide A. de Almeida Fernandes, Obr, cit., p. 294;
(17) Neste caso concreto, litigam-se Paulo Merêa, contra, e Ramos y Loscertales, juntando-se a este último Damião Peres, a favor. Vejam-se Paulo Merêa, “A concessão da Terra Portucalense a D. Henrique perante a História Jurídica”, in Anuário de História del Derecho Español, tomo II, Barcelona, 1925 e Novos Estudos de História do Direito, Barcelos, 1937. E Ramos y Loscertales “La sucesión del rey Alfonso VI”, in Anuário de Historia de Derecho Español, tomo XIII, Barcelona, 1936-1940, pp. 38 e ss.; e Damião Peres, Como Nasceu Portugal, cit., pp. 86 e ss.. Vejam-se estes assuntos em Nuno Espinosa Gomes da Silva, Lições de História do Direito Português, Lisboa, Associação Académica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1962, que nos coloca ainda hoje ante os melhores autores da História Jurídica que se debruçaram sobre o assunto.
(18) Para Alexandre Herculano tratava-se de uma tendência amovível e revogável em qualquer momento, segundo a vontade de Afonso VI. Contra a sua lógica, há passagens coevas que ele mesmo aduz na sua História de Portgual. Assim, na Chronica Adephonsi Imperatoris, relativamente a D. Teresa, diz-se “quam [filiam] rex […] dedit maritatam enriço comiti, et dotavit eam magnifice dans Portugalensem terram jure haereditario”. Ainda um doc. de 1097, que contém uma doação feita pelos condes portugalenses a Soeiro Mendes da Maia, onde se lê o seguinte: “ut ad tibi vassalo fideli nostro Suario prolis Menendiz, facimus tibi cartam vel comissorium, de ereditates, vel de omines quos abemus in Terridorium Portugalensem, quos nobis dedit genitori nostro Rex Domnus Adefonso pró nostram ereditatem” (cf. Portugaliae Monumenta Historica, Diplomata et Chartae, tomo I, n.º 864, pp. 512-513. Paulo Merêa revê a tese de Herculano, fazendo evidenciar que aquelas passagens levam-nos a crer estarmos ante uma concessão da terra, jure hereditario. Lembra ainda a confirmação num outro diploma, do ano de 1100 – embora o doc. diga ser de 1099 -, que se não encontrava publicado ao tempo da História de Herculano. Aqui, Soeiro Mendes, em referência a terras e honor recebidas de D. Henrique, diz ter-se isso passado “in tempore Adefonsi Imperatori regnante in civitas Toleti, suo nomine gener verum suus comes Anrichus sedente cum filiam ipsius Imperatori nomine Tarasia et tenente de illo terra de Portugal pro sua hereditas” (Ibid., p. 542).
(19) Relembrem-se as expressões usadas pelo conde D. Henrique. Em Dezembro de 1097, ao confirmar uma doação, diz fazê-lo “consentientibus nostri palatii maioribus quia in nostro dominio et dicione consistit omnis Portugalensis província”; em 1106, intitula-se “Portugalensium pastrie princeps” e, regra geral, “comes Henricus”, sem nunca fazer qualquer alusão à qualidade de tenente de Portugal em nome do sogro. E diz Paulo Merêa, já antes citado por Nuno Espinosa Gomes Silva, que “como pessoa in cujus dominio consistit Portugalensis provincia, ele faz doações, outorga cartas de couto, dá forais e até confirma doações dos antigos reis de Leão, como sucede no doamento de 1097 e ainda noutros, sendo só duas vezes que o vemos sujeitar estes actos a confirmação de Afonso VI, facto que, aliás, como disse noutro lugar, não é incompatível com a qualidade de donatário. A partir de 1101 não volta a aparecer, entre os documentos henriquinos que nos restam, nenhuma confirmação de Afonso VI”. Ver A. de Almeida Fernandes, Obr. Cit..
(20) Assim: “Dei vero providentia totius Portucalensis provinciae princeps”. Ver Documentos Medievais Portugueses. Documentos Régios, doc. 93, p. 116. Vide docs. posteriores.
(21) Deste modo: “Colimbriensium ac totius urbium Portucalensium Dei providencia dominus securus effectus”. Ibidem, doc. 97, p. 121.
(22) Marcello Caetano releva as palavras de Menendez Vidal, na sua España y su Historia, tomo I, p. 601 e cita-o “ Assim Portugal, nas suas tardias origens, pelo premente cuidado de garantir sua absoluta independência, nascia desligado de toda a tradição imperial que pesava sobre os reinos antigos; nascia permitindo a visão da nova época histórica que vai surgindo e já se mostrava firme no que depois foi: mais afastado do grande núcleo de Espanha que os dois reinos antigos de Navarra e Aragão”. Ver Marcello Caetano, História do Direito Português [1140-1495], 2.ª ed., Lisboa, Verbo, 1985, pp. 202-203.
(23) A hipótese inicial da Ourique alentejana parece estar posta de parte. Na realidade, não só não corresponde à lógica dos acontecimentos anteriores, como seria, na verdade, um empreendimento arriscado. A ousadia do Príncipe não iria ao extremo de percorrer 300km em território que lhe era hostil, desde Coimbra para travar uma batalha em que ver-se-ia facilmente cercado pelos Mouros, não podendo retirar em segurança. Ainda se sabe que, poucos dias depois, Afonso Henriques estava de regresso a Coimbra. Apontamos como mais seguras as localidades correspondentes a Vila Chã de Ourique e de Campo de Ourique no Lis, como as mais aceitáveis para o fossado de 1139. E, depois de várias ofensivas mouras a Coimbra, como resposta, os cruzados forçam a linha de fronteira, fixando o eixo Leiria-Ourém-Tomar, onde o nosso Príncipe fez importantes doações às Ordens Militares, processo que muito usou a fim de suster quaisquer tentativas de retoma por parte do inimigo.
(24) Diz a carta: “Claues regni coelorum beato Petro a Domino Nostro Ihesu Christo concessas esse cognoscens, ipsum patronum et aduocatum habere disposui, ut et in uita presenti opem illius et consilium in méis oportunitatibus sentiam et ad premia felicitas eterne, ipsius suffragantibus meretis, ualeam peruenire. Quocirca, ego Adefonsus, rex Portugalensis Dei gracia, per manum domini G[uidi], diaconi cardinalis, apostolice sedis legati, domino et patri meo pape Innocentio omnium feci terram quoque mean beato Petro et sanctae romane ecclesie offero, sub censu annuo iiij unciarum auri, ea uidelicet condicione atque tenore ut omnes qui terram meam, post decessum meum, tenuerint, eundem censum, annuatim, beato Petro persoluant. Et ego, tanquam proprius miles beati Petri et romani pontificis, tam in me ipso quam in terra mea uel in his etiam que ad dignitatem et honorem mee terre attinent, defensionem et solacium apostolice sedis uel a latere ipsius missi, unquam in terra mea recipiam. Facta oblationis et firmitudinis carta jdus decembris era M.ª C.ª Lxxxi.ª. Ego, supradictus Adefonsus, Portugalensis rex, qui hanc cartam fieri iussi libenti animo, coram idoneis testibus propria manu confirmo. Ego Johannes, Bracharensis archiepiscopus, confirmo. Ego Johannes, Colimbriensis episcopus, confirmo. Ego P[etrus], Portgalensis episcopus, confirmo”. Ver ADB… Gaveta de notícias várias, nº 2, cópia de pergaminho, do século XIII, precedida das palavras “Oblatio Regis Portugalen. in registo Lucij ij”, - texto que se reproduz in Monumenta Henricina, Vol. I, Coimbra, 1960, doc. 1 e 2; BNM. Vitr, 15, nº 5, fl. 33, em cartulario toletano do século XIII; AV, Reg. Vat, Vol. 21-A, fl. 365, nº 24, em cópia moderna extraída do Regestum de Inocêncio IV, liv. 6, conservado na BNP, BA, Symmicta Lusitana, vol. 44, p. 25; IAN/TT., Bulas, caixa 27, n.º2, em cópia autêntica, fornecida em 1841 da supracitada do Vaticano. Ver Bibliografia cit., in Monumenta Henricina, Vol. I, p. 1, doc. 1 e Documentos Medievais Portugueses. Documentos Régios, dir. por Rui Azevedo, Vol. 1, tomo 1, n.º 202.
(25) Leia-se assim: “Era MCXXI Secundo cal. Maii Sabbatho hora nona Rex domnus Alphonsus cepit ciuitatem Santarém anno Regni sui XXVIII mense V sexto die mensis”.
(26) Ver Osberno. In Infopédia, Porto, Porto Editora, 2003-2009. Consultem-se as ed. de José Augusto de Oliveira ou uma outra ed. de Aires do Nascimento e Maria João Branco, que recomendamos.
(27) Os primeiros forais foram os de S. João da Pesqueira, Penela, Paredes, Linhares e Ansiães (1055-1065); o de Coimbra (1085), o de Santarém (1095), o de Guimarães e Constantim (1096). Forais outorgados durante o governo do Conde D. Henrique nas áreas de Coimbra e de Viseu: Treixedo (1102), Tentúgal (1108), Sátão, Coimbra e Soure (1111), Azurara da Beira (1109), Tavares (1104 e 1114). Forais concedidos durante o governo de D. Teresa, na área de Viseu: Arganil (1114), S. Martinho de Mouros (1121), Viseu (1123), Ferreira de Aves (1112-1126) e Sernancelhe (1124), Ponte de Lima (1125). O de Numão (1130), Porto (1123). Forais outorgados ao tempo de D. Afonso Henriques: Almoinha do Rei (1135), Seia e Miranda do Corvo (1136), Penela (1137), Leiria (1142), Germanelo (1142-1144), Banho ou S. Pedro do Sul e Mesão Frio (1152), Coimbra (1145), Sintra (1154), Ferreira do Zêzere (1174), Pombal (1174-1176), Coimbra, Santarém e Lisboa (1179), Caldas de Aregos (1183), Melgaço (1183-1185) … Ver António Matos Reis, Origens dos Municípios Portugueses, Lisboa, Livros Horizonte, 1991 e História dos Municípios [1050-1383], Lisboa, Livros Horizonte, 2007 (1.º Prémio do Grande Prémio de História Medieval A. de Almeida Fernandes, 2008), além da Carta de Fidelidade, Amizade e Segurança que D. Afonso Henriques passou aos mouros forros de Lisboa, Almada, Palmela e Alcácer em 1170.
(28) 1143: Inocêncio II; 1144: Lúcio II; 1145-1153: Eugénio IV; 1153-1154: Anastácio IV; 1154-1159; Adriano IV; 1159-1181: Alexandre III; 1181-1185: Lúcio III.
(29) Transcrevemos a bula: “Karissimo in Christo filio Alfonso, jllustre Portugalensium reji eiusque heredibus jn perpetuum. Manifestis probatum est argumentis quod, per sudores bellicos et certamina militaria, inimicorum christiani nominis intrepidus extirpator et propagator diligens fidej christiane, sicut bonus filius et princeps catolicismo, multimoda obsequia matri tue sacrossancte ecclesie impedistj dignum memoria nomen et exemplum imitabile posteris derelinquens. Equum est, autem, ut quos, ad regímen et salutem populj, ab alto dispensatio celestis elegit apostolica sedes affectione sincera diligat et in iustis postulationibus studeat efficaciter exaudire. Proinde, nos, attendentes personam tuam, prudentia ornatam, iusticia preditam atque ad populj regimen idoneam, eam sub beati Petri et nostra protectione suscipimus et regnum Portucalense, cum integritate honoris regni et dignitate que ad reges pertinet necnon et omnia loca que, cum auxilio celestis gratie, de sarracenorum manibus eripueris, in quibus ius sibi non possunt christianj principes circumpositj uendicare, excellentie tue concedimus et auctoritate apostolica confirmamus. Ut, autem, ad deuotionem et obsequium beatj Petri, apostolorum principis, et sacrossancte romane ecclesie uehementjus accendaris, hec ipsa prefatis heredibus tuis duximus concedenda eosque super his que concessa sunt, Deo propitio, pro iniunctj nobis apostolatus officio, defendemus. Tua itaque intererit, filj karissime, ita circa honorem et obsequium matris tue sacrosancte romane ecclesie humilem et deuotum existere, et sic te ipsum in ejus oportunitatibus et dilatandis christiane fidej finibus exercere, ut de tam deuoto et glorioso filio sedes apostolica gratuletur et in eius amore quiescat. Ad indicium, autem, quod prescriptum regum beatj Petri iuris existat, pro amplioris reuerentie argumento, statuistj duas marcas auri, annis singulis, nobis notrisque successoribus persoluendas. Quem utique censum, ad utilitatem nostram et successorum nostrum, Bracharensiarchiepiscopo quj pro tempore fuerit, tu et successores tuj curabitis assignare. Decernimus, ergo, ut nullj omnio hominum leceat personam tuam aut heredum tuorum uel etiam perfatum regnum temere perturbare aut ejus possessiones auferre uel ablatas retinere, minuere aut aliquibus uexationibus fatigare. Si qua, igitur, in futurum ecclesiastica secularisque persona hanc nostre constitutionis paginam, sciens, contra eam temere uenire temptauerit, secundo tertione commonita, nisi reatum suum digna satisfactione correxerit, potestatis honorisque suj dignitate careat reamque se diuino iudicio existere de perpetrata iniquitate cognoscat et a sacratissimo corpore ac sanguine Dej et Dominj Redemptoris Nostri Ihesu Christo aliena fiat atque, in extremo examine, districte ultionj subiaceat. Cunctis, autem, eidem regno et regi sua iura seruantibus, sit pax Dominj Ihesu Christi, quantinus et hic fructum boné actionis percipiant et apud districtum iudicem premia eterne pacis inueniant. Ámen. Ámen. Ámen. Ego Alexander, catholice ecclesie episcopus. SS. Benavalete”. Seguem-se as assinaturas das testemunhas. “Datum Laterani, per manum Albertj, sancte romane ecclesie presbiteri cardinalis et cancellarij, x kalendas junij, jndictione xi.ª, jncarnationis dominice anno M.C.Lxxviiij, pontificatus uero dominj Alexandrj pape iij anno xx”. Publ. In Monumenta Henricina, Vol. I, Coimbra, 1960, doc. 9, pp. 18-21. Vide bibliografia aí cit.
(30) Cf. Alexandre Herculano, História de Portugal, Vol. 3, pp. 109 a 111.
(31) Ver Carl Erdmann, O Papado e Portugal, p. 76
(32) Cf. Jean Rousset de Pina, Histoire de l’Église depuis les origines jusqu’a nos jours, tomo 9, p. 181.
(2) À morte de Fernando I, o Magno, sucederam-lhe os seus três filhos. Garcia ficou com a Galiza e Portugal e as párias de Badajoz e Sevilha; Sancho herdou Castela e as párias de Saragoça; Afonso, o reino de Leão e as párias de Toledo; Urraca passou a deter na sua posse Zamora e Elvira ficou com Toro. O que se passou concretamente com Garcia II foi, após assumir o governo, ter tomado por vassalos os nobres de Entre-Douro-e-Minho. Casos foram vários, encontrando forte oposição por parte de Nuno Mendes, o último representante da dinastia condal portugalense, que morre em confronto com a hoste régia, em 1071. veja-se Maria Ângela Beirante, “A ‘Reconquista’ Cristã”, in Nova História de Portugal, direcção de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, Vol. II. Portugal. Das Invasões Germânicas à‘Reconquista’, coordenação de A. H. de Oliveira Marques, Lisboa, Editorial Presença, 1993, 3.ª Parte, pp. 264-265.
(3) Veja-se Damião Peres, Como Nasceu Portugal, 5.ª ed., Porto, 1959 e bibliografia aí aduzida. Armando de Almeida Fernandes, Do Povo Veio Portugal (séc. V-XII), Porto, 1965.
(4) Ver A. de almeida Fernandes, Portugal Primitivo Medievo, Arouca, 2001, p. 281.
(5) Do seu casamento com Teresa de Leão nasceram: Urraca Henriques (ca. 1095), casou-se com D. Bermudo Peres de Trava; Sancha Henriques (ca. 1097-1163), casou-se com D. Sancho Nunes de Celanova e com D. Fernão Mendes, senhor de Bragança; Teresa Henriques (ca. 1098); Henrique (ca. 1106-1110); Afonso Henriques (1109-1185), primeiro rei de Portugal, casado com Mafalda, condessa de Sabóia.
(6) Raimundo de Borgonha, casado, em 1090, com Urraca de Leão e Castela, foi o 3.º filho de Guilherme I, conde da Borgonha e Mâcon, e de Adelaide da Normandia, filha de Ricardo II da Normandia e de Judite da Bretanha. D. Henrique da Borgonha era filho de Henrique, herdeiro do duque Roberto I com Beatriz ou Sibila de Barcelona e irmão dos também duques Odo I e Hugo I. Era casado com Teresa de Leão, meia-irmã de Urraca e primo de Raimundo porque o pai deste era irmão da mãe de Henrique.
(7) Cf. PMH, DC, doc. 884;
(8) Ibid., doc. 889;
(9) Ibid., doc. 931;
(10) Doc. cit. por Torquato de Sousa Soares, Reflexões, Vol. I, p. 17;
(11) DMP., DP., 112;
(12) Cf. Torquato de Sousa Soares, Refllexões, Vol. I, p. 17;
(13) DMP., DP., 199 e 213;
(14) DMP, DP., 506;
(15) ML, III9 c.2;
(16) DMP., DR., 127. Vide A. de Almeida Fernandes, Obr, cit., p. 294;
(17) Neste caso concreto, litigam-se Paulo Merêa, contra, e Ramos y Loscertales, juntando-se a este último Damião Peres, a favor. Vejam-se Paulo Merêa, “A concessão da Terra Portucalense a D. Henrique perante a História Jurídica”, in Anuário de História del Derecho Español, tomo II, Barcelona, 1925 e Novos Estudos de História do Direito, Barcelos, 1937. E Ramos y Loscertales “La sucesión del rey Alfonso VI”, in Anuário de Historia de Derecho Español, tomo XIII, Barcelona, 1936-1940, pp. 38 e ss.; e Damião Peres, Como Nasceu Portugal, cit., pp. 86 e ss.. Vejam-se estes assuntos em Nuno Espinosa Gomes da Silva, Lições de História do Direito Português, Lisboa, Associação Académica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1962, que nos coloca ainda hoje ante os melhores autores da História Jurídica que se debruçaram sobre o assunto.
(18) Para Alexandre Herculano tratava-se de uma tendência amovível e revogável em qualquer momento, segundo a vontade de Afonso VI. Contra a sua lógica, há passagens coevas que ele mesmo aduz na sua História de Portgual. Assim, na Chronica Adephonsi Imperatoris, relativamente a D. Teresa, diz-se “quam [filiam] rex […] dedit maritatam enriço comiti, et dotavit eam magnifice dans Portugalensem terram jure haereditario”. Ainda um doc. de 1097, que contém uma doação feita pelos condes portugalenses a Soeiro Mendes da Maia, onde se lê o seguinte: “ut ad tibi vassalo fideli nostro Suario prolis Menendiz, facimus tibi cartam vel comissorium, de ereditates, vel de omines quos abemus in Terridorium Portugalensem, quos nobis dedit genitori nostro Rex Domnus Adefonso pró nostram ereditatem” (cf. Portugaliae Monumenta Historica, Diplomata et Chartae, tomo I, n.º 864, pp. 512-513. Paulo Merêa revê a tese de Herculano, fazendo evidenciar que aquelas passagens levam-nos a crer estarmos ante uma concessão da terra, jure hereditario. Lembra ainda a confirmação num outro diploma, do ano de 1100 – embora o doc. diga ser de 1099 -, que se não encontrava publicado ao tempo da História de Herculano. Aqui, Soeiro Mendes, em referência a terras e honor recebidas de D. Henrique, diz ter-se isso passado “in tempore Adefonsi Imperatori regnante in civitas Toleti, suo nomine gener verum suus comes Anrichus sedente cum filiam ipsius Imperatori nomine Tarasia et tenente de illo terra de Portugal pro sua hereditas” (Ibid., p. 542).
(19) Relembrem-se as expressões usadas pelo conde D. Henrique. Em Dezembro de 1097, ao confirmar uma doação, diz fazê-lo “consentientibus nostri palatii maioribus quia in nostro dominio et dicione consistit omnis Portugalensis província”; em 1106, intitula-se “Portugalensium pastrie princeps” e, regra geral, “comes Henricus”, sem nunca fazer qualquer alusão à qualidade de tenente de Portugal em nome do sogro. E diz Paulo Merêa, já antes citado por Nuno Espinosa Gomes Silva, que “como pessoa in cujus dominio consistit Portugalensis provincia, ele faz doações, outorga cartas de couto, dá forais e até confirma doações dos antigos reis de Leão, como sucede no doamento de 1097 e ainda noutros, sendo só duas vezes que o vemos sujeitar estes actos a confirmação de Afonso VI, facto que, aliás, como disse noutro lugar, não é incompatível com a qualidade de donatário. A partir de 1101 não volta a aparecer, entre os documentos henriquinos que nos restam, nenhuma confirmação de Afonso VI”. Ver A. de Almeida Fernandes, Obr. Cit..
(20) Assim: “Dei vero providentia totius Portucalensis provinciae princeps”. Ver Documentos Medievais Portugueses. Documentos Régios, doc. 93, p. 116. Vide docs. posteriores.
(21) Deste modo: “Colimbriensium ac totius urbium Portucalensium Dei providencia dominus securus effectus”. Ibidem, doc. 97, p. 121.
(22) Marcello Caetano releva as palavras de Menendez Vidal, na sua España y su Historia, tomo I, p. 601 e cita-o “ Assim Portugal, nas suas tardias origens, pelo premente cuidado de garantir sua absoluta independência, nascia desligado de toda a tradição imperial que pesava sobre os reinos antigos; nascia permitindo a visão da nova época histórica que vai surgindo e já se mostrava firme no que depois foi: mais afastado do grande núcleo de Espanha que os dois reinos antigos de Navarra e Aragão”. Ver Marcello Caetano, História do Direito Português [1140-1495], 2.ª ed., Lisboa, Verbo, 1985, pp. 202-203.
(23) A hipótese inicial da Ourique alentejana parece estar posta de parte. Na realidade, não só não corresponde à lógica dos acontecimentos anteriores, como seria, na verdade, um empreendimento arriscado. A ousadia do Príncipe não iria ao extremo de percorrer 300km em território que lhe era hostil, desde Coimbra para travar uma batalha em que ver-se-ia facilmente cercado pelos Mouros, não podendo retirar em segurança. Ainda se sabe que, poucos dias depois, Afonso Henriques estava de regresso a Coimbra. Apontamos como mais seguras as localidades correspondentes a Vila Chã de Ourique e de Campo de Ourique no Lis, como as mais aceitáveis para o fossado de 1139. E, depois de várias ofensivas mouras a Coimbra, como resposta, os cruzados forçam a linha de fronteira, fixando o eixo Leiria-Ourém-Tomar, onde o nosso Príncipe fez importantes doações às Ordens Militares, processo que muito usou a fim de suster quaisquer tentativas de retoma por parte do inimigo.
(24) Diz a carta: “Claues regni coelorum beato Petro a Domino Nostro Ihesu Christo concessas esse cognoscens, ipsum patronum et aduocatum habere disposui, ut et in uita presenti opem illius et consilium in méis oportunitatibus sentiam et ad premia felicitas eterne, ipsius suffragantibus meretis, ualeam peruenire. Quocirca, ego Adefonsus, rex Portugalensis Dei gracia, per manum domini G[uidi], diaconi cardinalis, apostolice sedis legati, domino et patri meo pape Innocentio omnium feci terram quoque mean beato Petro et sanctae romane ecclesie offero, sub censu annuo iiij unciarum auri, ea uidelicet condicione atque tenore ut omnes qui terram meam, post decessum meum, tenuerint, eundem censum, annuatim, beato Petro persoluant. Et ego, tanquam proprius miles beati Petri et romani pontificis, tam in me ipso quam in terra mea uel in his etiam que ad dignitatem et honorem mee terre attinent, defensionem et solacium apostolice sedis uel a latere ipsius missi, unquam in terra mea recipiam. Facta oblationis et firmitudinis carta jdus decembris era M.ª C.ª Lxxxi.ª. Ego, supradictus Adefonsus, Portugalensis rex, qui hanc cartam fieri iussi libenti animo, coram idoneis testibus propria manu confirmo. Ego Johannes, Bracharensis archiepiscopus, confirmo. Ego Johannes, Colimbriensis episcopus, confirmo. Ego P[etrus], Portgalensis episcopus, confirmo”. Ver ADB… Gaveta de notícias várias, nº 2, cópia de pergaminho, do século XIII, precedida das palavras “Oblatio Regis Portugalen. in registo Lucij ij”, - texto que se reproduz in Monumenta Henricina, Vol. I, Coimbra, 1960, doc. 1 e 2; BNM. Vitr, 15, nº 5, fl. 33, em cartulario toletano do século XIII; AV, Reg. Vat, Vol. 21-A, fl. 365, nº 24, em cópia moderna extraída do Regestum de Inocêncio IV, liv. 6, conservado na BNP, BA, Symmicta Lusitana, vol. 44, p. 25; IAN/TT., Bulas, caixa 27, n.º2, em cópia autêntica, fornecida em 1841 da supracitada do Vaticano. Ver Bibliografia cit., in Monumenta Henricina, Vol. I, p. 1, doc. 1 e Documentos Medievais Portugueses. Documentos Régios, dir. por Rui Azevedo, Vol. 1, tomo 1, n.º 202.
(25) Leia-se assim: “Era MCXXI Secundo cal. Maii Sabbatho hora nona Rex domnus Alphonsus cepit ciuitatem Santarém anno Regni sui XXVIII mense V sexto die mensis”.
(26) Ver Osberno. In Infopédia, Porto, Porto Editora, 2003-2009. Consultem-se as ed. de José Augusto de Oliveira ou uma outra ed. de Aires do Nascimento e Maria João Branco, que recomendamos.
(27) Os primeiros forais foram os de S. João da Pesqueira, Penela, Paredes, Linhares e Ansiães (1055-1065); o de Coimbra (1085), o de Santarém (1095), o de Guimarães e Constantim (1096). Forais outorgados durante o governo do Conde D. Henrique nas áreas de Coimbra e de Viseu: Treixedo (1102), Tentúgal (1108), Sátão, Coimbra e Soure (1111), Azurara da Beira (1109), Tavares (1104 e 1114). Forais concedidos durante o governo de D. Teresa, na área de Viseu: Arganil (1114), S. Martinho de Mouros (1121), Viseu (1123), Ferreira de Aves (1112-1126) e Sernancelhe (1124), Ponte de Lima (1125). O de Numão (1130), Porto (1123). Forais outorgados ao tempo de D. Afonso Henriques: Almoinha do Rei (1135), Seia e Miranda do Corvo (1136), Penela (1137), Leiria (1142), Germanelo (1142-1144), Banho ou S. Pedro do Sul e Mesão Frio (1152), Coimbra (1145), Sintra (1154), Ferreira do Zêzere (1174), Pombal (1174-1176), Coimbra, Santarém e Lisboa (1179), Caldas de Aregos (1183), Melgaço (1183-1185) … Ver António Matos Reis, Origens dos Municípios Portugueses, Lisboa, Livros Horizonte, 1991 e História dos Municípios [1050-1383], Lisboa, Livros Horizonte, 2007 (1.º Prémio do Grande Prémio de História Medieval A. de Almeida Fernandes, 2008), além da Carta de Fidelidade, Amizade e Segurança que D. Afonso Henriques passou aos mouros forros de Lisboa, Almada, Palmela e Alcácer em 1170.
(28) 1143: Inocêncio II; 1144: Lúcio II; 1145-1153: Eugénio IV; 1153-1154: Anastácio IV; 1154-1159; Adriano IV; 1159-1181: Alexandre III; 1181-1185: Lúcio III.
(29) Transcrevemos a bula: “Karissimo in Christo filio Alfonso, jllustre Portugalensium reji eiusque heredibus jn perpetuum. Manifestis probatum est argumentis quod, per sudores bellicos et certamina militaria, inimicorum christiani nominis intrepidus extirpator et propagator diligens fidej christiane, sicut bonus filius et princeps catolicismo, multimoda obsequia matri tue sacrossancte ecclesie impedistj dignum memoria nomen et exemplum imitabile posteris derelinquens. Equum est, autem, ut quos, ad regímen et salutem populj, ab alto dispensatio celestis elegit apostolica sedes affectione sincera diligat et in iustis postulationibus studeat efficaciter exaudire. Proinde, nos, attendentes personam tuam, prudentia ornatam, iusticia preditam atque ad populj regimen idoneam, eam sub beati Petri et nostra protectione suscipimus et regnum Portucalense, cum integritate honoris regni et dignitate que ad reges pertinet necnon et omnia loca que, cum auxilio celestis gratie, de sarracenorum manibus eripueris, in quibus ius sibi non possunt christianj principes circumpositj uendicare, excellentie tue concedimus et auctoritate apostolica confirmamus. Ut, autem, ad deuotionem et obsequium beatj Petri, apostolorum principis, et sacrossancte romane ecclesie uehementjus accendaris, hec ipsa prefatis heredibus tuis duximus concedenda eosque super his que concessa sunt, Deo propitio, pro iniunctj nobis apostolatus officio, defendemus. Tua itaque intererit, filj karissime, ita circa honorem et obsequium matris tue sacrosancte romane ecclesie humilem et deuotum existere, et sic te ipsum in ejus oportunitatibus et dilatandis christiane fidej finibus exercere, ut de tam deuoto et glorioso filio sedes apostolica gratuletur et in eius amore quiescat. Ad indicium, autem, quod prescriptum regum beatj Petri iuris existat, pro amplioris reuerentie argumento, statuistj duas marcas auri, annis singulis, nobis notrisque successoribus persoluendas. Quem utique censum, ad utilitatem nostram et successorum nostrum, Bracharensiarchiepiscopo quj pro tempore fuerit, tu et successores tuj curabitis assignare. Decernimus, ergo, ut nullj omnio hominum leceat personam tuam aut heredum tuorum uel etiam perfatum regnum temere perturbare aut ejus possessiones auferre uel ablatas retinere, minuere aut aliquibus uexationibus fatigare. Si qua, igitur, in futurum ecclesiastica secularisque persona hanc nostre constitutionis paginam, sciens, contra eam temere uenire temptauerit, secundo tertione commonita, nisi reatum suum digna satisfactione correxerit, potestatis honorisque suj dignitate careat reamque se diuino iudicio existere de perpetrata iniquitate cognoscat et a sacratissimo corpore ac sanguine Dej et Dominj Redemptoris Nostri Ihesu Christo aliena fiat atque, in extremo examine, districte ultionj subiaceat. Cunctis, autem, eidem regno et regi sua iura seruantibus, sit pax Dominj Ihesu Christi, quantinus et hic fructum boné actionis percipiant et apud districtum iudicem premia eterne pacis inueniant. Ámen. Ámen. Ámen. Ego Alexander, catholice ecclesie episcopus. SS. Benavalete”. Seguem-se as assinaturas das testemunhas. “Datum Laterani, per manum Albertj, sancte romane ecclesie presbiteri cardinalis et cancellarij, x kalendas junij, jndictione xi.ª, jncarnationis dominice anno M.C.Lxxviiij, pontificatus uero dominj Alexandrj pape iij anno xx”. Publ. In Monumenta Henricina, Vol. I, Coimbra, 1960, doc. 9, pp. 18-21. Vide bibliografia aí cit.
(30) Cf. Alexandre Herculano, História de Portugal, Vol. 3, pp. 109 a 111.
(31) Ver Carl Erdmann, O Papado e Portugal, p. 76
(32) Cf. Jean Rousset de Pina, Histoire de l’Église depuis les origines jusqu’a nos jours, tomo 9, p. 181.