SILVA, José Custódio Vieira da, O Fascínio do fim – Viagens pelo final da Idade Média, Lisboa, Livros Horizonte, 1997.
"A arte é a expressão da sociedade em seu conjunto: crenças, ideias que faz de si e do mundo. Diz tanto quanto os textos de seu tempo, às vezes até mais. " (Georges Duby).
Vera Grilo, historiadora
Estamos perante uma obra da autoria do conceituado historiador de arte - José Custódio Vieira da Silva. Esta obra escrita em 1996, resulta de um conjunto de conferências, colóquios e investigações levados a cabo nos anos oitenta e nos anos noventa..
Antes de apresentar a obra a nível estrutural, metodológico, literário e historiográfico, parece-nos pertinente incidir num primeiro plano - o título - “O fascínio do Fim”. Qual será a tónica que estará vinculada ao mesmo? Qual será esse fim que tanto fascina a História de Arte, e, indiscutivelmente, o autor? Qual será essa temática tão marcada que acentua um período temporal tão significativamente?
- Trata-se do Tardo – Gótico – um período que não pode nem deve ser restringido apenas à arte, mas que representa uma sociedade com características, por vezes, difíceis de classificar.
Surge-nos a seguinte dúvida: Será que o autor pretenderá apresentar um estudo artístico sobre o fim da Idade Média ou antes sobre o princípio da Idade Moderna? Será possível enquadrar este período de transição numa história e num tempo com denominação?
- O autor responde a estas questões de forma muito clara na Introdução. Assim sendo, refere que não se pode apontar uma data absoluta para o fim da Idade Média, muito menos quando estamos a falar de estilos artísticos. Não é possível, de um dia para o outro, deixar de construir-se segundo os cânones da estética gótica e, automaticamente, começar a construir-se no estilo da renascença. Seria paradoxal. Seria admitir que numa noite o homem adormeceria na Idade Média e que no dia seguinte acordaria já no renascimento. Tal como o autor alerta, é fundamental ter presente que existe especificidades espaciais que apresentam particularismos característicos de cada região. Na realidade, trata-se de um processo de maturação e não de um hiato temporal. É importante lutar contra a concepção (ainda em voga) de “Idade das Trevas” - conotada com obscurantismo e passível de ser esquecida. Este fim será esse tempo que transita entre duas épocas, mas que evidencia aspectos marcadamente ainda medievos. Apresenta-se, talvez, como a expressão máxima de consolidação de um conjunto de valores estéticos do gótico. Como efeito, na sua manifestação apela a uma riqueza amadurecida e ao prelúdio de um novo tempo. Não só reflecte um estilo arquitetónico como marca, claramente, um protótipo de vida e a sua identidade que vai sofrendo algumas alterações no final da Idade Média. Visíveis nas suas construções ricas e grandiosas, na consolidação de uma nova espiritualidade mais individualista e no preservar da memória através de outros aspectos como a heráldica.
Outra questão poderá surgir: Porquê reunir numa obra um conjunto de sub – temáticas diversas? Será que ao fazê-lo o autor não incorrerá no risco de quebrar todo e qualquer sentido de unidade?
Não seria necessário, o autor, responder a esta pergunta no princípio da obra, porque o leitor/investigador ao fazer uma leitura atenta, verificará, facilmente, o princípio de concordância e a uniformidade que existe num importante fio condutor. Assim, através de sensivelmente 150 páginas, são apresentados vários aspetos, escritos em momentos diferentes e, obrigatoriamente, com matrizes diferentes mas que se encontram unidos pelo tempo: o gótico no seu fim - o gótico no seu apogeu. Arriscamos mesmo a garantir que se não tivéssemos a indicação dos momentos em que estes textos foram apresentados, não identificaríamos qualquer corte entre os mesmos. Existe uma sábia continuidade na forma como são descritos os elementos, não lhes retirando qualquer sentido de objectividade.
Em termos de estrutura, esta obra encontra-se dividida em 10 capítulos. O primeiro capítulo incide sobre o Palácio Nacional de Sintra enquanto monumento intemporal, mantendo-se intacto até à atualidade, na importância e grandiosidade de um paço. O segundo capítulo, refere-se ao paço e às suas divisões como morada privilegiada, desta cronologia, não só em Portugal como em toda a Europa. No terceiro capítulo, o autor explica como se transita da galilé à capela – funerária. Por um lado, destaca as obras-primas de Alcobaça e Batalha, por outro, a humildade da campa rasa de D. Manuel I (Mosteiro dos Jerónimos) e da capela de Garcia de Resende (na cerca do Mosteiro do Espinheiro). No quarto capítulo é apresentada a Igreja de Santiago de Espada (Palmela) que pela sua simplicidade, marca o despojamento e a sobriedade de um estilo arcaizante. No quinto capítulo é focado o Mosteiro da Batalha e as suas influências Mediterrâneas e destacado, sobretudo, o claustro afonsino de dois andares. No sexto capítulo, a ação mecenática de D. João II é salientada através de exemplos como o Hospital de Todos os Santos, o Castelo de Olivença e o Paço de Évora. No sétimo capítulo, Alcobaça e o período manuelino representam a indissociável relação existente entre o poder régio e o poder das ordens religiosas. São ainda dados os exemplos da Igreja de Vestiaria e da Igreja de N. Srª do Pópulo. No oitavo capítulo, a Capela Tumular de Garcia de Resende (Mosteiro Jerónimo de Santa Maria do Espinheiro) reflecte a simplicidade e aponta para o eremitismo no seio do estilo mudéjar do Tardo - Gótico alentejano. No nono capítulo, as construções de madeira enquanto arquitectura efémera ressalvam a importância que os mestres carpinteiros detém no final da Idade Média. Por último, no décimo capítulo, o autor realça a arte manuelina e a importância que a representação heráldica assume neste período, não só em igrejas como também em túmulos.
O autor utiliza uma linguagem simples mas erudita sendo que, muitas vezes, ressalta uma abordagem sensível e poética sobre as sub-temáticas tratadas. Com efeito, conseguimos identificar alguns dos aspectos que o fascinam dentro deste fim (ex. dos claustros, dos jardins). Recorre a teses defendidas por historiadores de arte como Mário Chicó e Virgílio Correia. Ao analisar as várias premissas consegue apresentar a sua visão original e inovadora sem ser inflexível, fazendo denotar um grande respeito pelo trabalho de outros autores. Por outro lado, temos a assinalar o recurso a uma vasta e importante bibliografia.
O único aspeto que, no nosso entender, poderia ser diferente prende-se à apresentação gráfica de imagens, alçados e plantas. Contudo, a obra Paços Medievais Portugueses vem claramente ultrapassar este ponto, levando-nos a olhar para ambas mediante a cronologia da sua produção.
Tal como a frase de George Duby, o autor pretendeu comunicar com a poesia do coração aquilo que a história enquanto ciência transmite em cada documento.
Antes de apresentar a obra a nível estrutural, metodológico, literário e historiográfico, parece-nos pertinente incidir num primeiro plano - o título - “O fascínio do Fim”. Qual será a tónica que estará vinculada ao mesmo? Qual será esse fim que tanto fascina a História de Arte, e, indiscutivelmente, o autor? Qual será essa temática tão marcada que acentua um período temporal tão significativamente?
- Trata-se do Tardo – Gótico – um período que não pode nem deve ser restringido apenas à arte, mas que representa uma sociedade com características, por vezes, difíceis de classificar.
Surge-nos a seguinte dúvida: Será que o autor pretenderá apresentar um estudo artístico sobre o fim da Idade Média ou antes sobre o princípio da Idade Moderna? Será possível enquadrar este período de transição numa história e num tempo com denominação?
- O autor responde a estas questões de forma muito clara na Introdução. Assim sendo, refere que não se pode apontar uma data absoluta para o fim da Idade Média, muito menos quando estamos a falar de estilos artísticos. Não é possível, de um dia para o outro, deixar de construir-se segundo os cânones da estética gótica e, automaticamente, começar a construir-se no estilo da renascença. Seria paradoxal. Seria admitir que numa noite o homem adormeceria na Idade Média e que no dia seguinte acordaria já no renascimento. Tal como o autor alerta, é fundamental ter presente que existe especificidades espaciais que apresentam particularismos característicos de cada região. Na realidade, trata-se de um processo de maturação e não de um hiato temporal. É importante lutar contra a concepção (ainda em voga) de “Idade das Trevas” - conotada com obscurantismo e passível de ser esquecida. Este fim será esse tempo que transita entre duas épocas, mas que evidencia aspectos marcadamente ainda medievos. Apresenta-se, talvez, como a expressão máxima de consolidação de um conjunto de valores estéticos do gótico. Como efeito, na sua manifestação apela a uma riqueza amadurecida e ao prelúdio de um novo tempo. Não só reflecte um estilo arquitetónico como marca, claramente, um protótipo de vida e a sua identidade que vai sofrendo algumas alterações no final da Idade Média. Visíveis nas suas construções ricas e grandiosas, na consolidação de uma nova espiritualidade mais individualista e no preservar da memória através de outros aspectos como a heráldica.
Outra questão poderá surgir: Porquê reunir numa obra um conjunto de sub – temáticas diversas? Será que ao fazê-lo o autor não incorrerá no risco de quebrar todo e qualquer sentido de unidade?
Não seria necessário, o autor, responder a esta pergunta no princípio da obra, porque o leitor/investigador ao fazer uma leitura atenta, verificará, facilmente, o princípio de concordância e a uniformidade que existe num importante fio condutor. Assim, através de sensivelmente 150 páginas, são apresentados vários aspetos, escritos em momentos diferentes e, obrigatoriamente, com matrizes diferentes mas que se encontram unidos pelo tempo: o gótico no seu fim - o gótico no seu apogeu. Arriscamos mesmo a garantir que se não tivéssemos a indicação dos momentos em que estes textos foram apresentados, não identificaríamos qualquer corte entre os mesmos. Existe uma sábia continuidade na forma como são descritos os elementos, não lhes retirando qualquer sentido de objectividade.
Em termos de estrutura, esta obra encontra-se dividida em 10 capítulos. O primeiro capítulo incide sobre o Palácio Nacional de Sintra enquanto monumento intemporal, mantendo-se intacto até à atualidade, na importância e grandiosidade de um paço. O segundo capítulo, refere-se ao paço e às suas divisões como morada privilegiada, desta cronologia, não só em Portugal como em toda a Europa. No terceiro capítulo, o autor explica como se transita da galilé à capela – funerária. Por um lado, destaca as obras-primas de Alcobaça e Batalha, por outro, a humildade da campa rasa de D. Manuel I (Mosteiro dos Jerónimos) e da capela de Garcia de Resende (na cerca do Mosteiro do Espinheiro). No quarto capítulo é apresentada a Igreja de Santiago de Espada (Palmela) que pela sua simplicidade, marca o despojamento e a sobriedade de um estilo arcaizante. No quinto capítulo é focado o Mosteiro da Batalha e as suas influências Mediterrâneas e destacado, sobretudo, o claustro afonsino de dois andares. No sexto capítulo, a ação mecenática de D. João II é salientada através de exemplos como o Hospital de Todos os Santos, o Castelo de Olivença e o Paço de Évora. No sétimo capítulo, Alcobaça e o período manuelino representam a indissociável relação existente entre o poder régio e o poder das ordens religiosas. São ainda dados os exemplos da Igreja de Vestiaria e da Igreja de N. Srª do Pópulo. No oitavo capítulo, a Capela Tumular de Garcia de Resende (Mosteiro Jerónimo de Santa Maria do Espinheiro) reflecte a simplicidade e aponta para o eremitismo no seio do estilo mudéjar do Tardo - Gótico alentejano. No nono capítulo, as construções de madeira enquanto arquitectura efémera ressalvam a importância que os mestres carpinteiros detém no final da Idade Média. Por último, no décimo capítulo, o autor realça a arte manuelina e a importância que a representação heráldica assume neste período, não só em igrejas como também em túmulos.
O autor utiliza uma linguagem simples mas erudita sendo que, muitas vezes, ressalta uma abordagem sensível e poética sobre as sub-temáticas tratadas. Com efeito, conseguimos identificar alguns dos aspectos que o fascinam dentro deste fim (ex. dos claustros, dos jardins). Recorre a teses defendidas por historiadores de arte como Mário Chicó e Virgílio Correia. Ao analisar as várias premissas consegue apresentar a sua visão original e inovadora sem ser inflexível, fazendo denotar um grande respeito pelo trabalho de outros autores. Por outro lado, temos a assinalar o recurso a uma vasta e importante bibliografia.
O único aspeto que, no nosso entender, poderia ser diferente prende-se à apresentação gráfica de imagens, alçados e plantas. Contudo, a obra Paços Medievais Portugueses vem claramente ultrapassar este ponto, levando-nos a olhar para ambas mediante a cronologia da sua produção.
Tal como a frase de George Duby, o autor pretendeu comunicar com a poesia do coração aquilo que a história enquanto ciência transmite em cada documento.