ROTEIRO TURÍSTICO
Sorris sempre que me vês, choras a minha falta na mais longa das ausências,
mas tu sabes, oh se sabes Lisboa, como longe de ti sou tão diferente, menos Ser,
mais perdido, completamente distante de quem me viu nascer...
(Marco Monteiro)
Pelas ruas de Lisboa...
Marco Monteiro, Historiador
O nosso ponto de partida começa exactamente num dos locais mais movimentados da cidade de Lisboa, revestido de carácter cosmopolita e onde reina a fusão das mais diversas culturas: a Praça D. Pedro IV ou, como é mais vulgarmente conhecida, a Praça do Rossio. A vista e a percepção do centro da capital portuguesa não podia ser melhor, pois daqui se obtém uma panorâmica geral dos principais ícones da cidade e é possível mergulhar no espírito urbano em direcção ao fascínio histórico. Comecemos então por visitar esta praça com os mesmos olhos com que D. Pedro IV a avista todos os dias. A própria estátua do monarca esteve durante anos envolta numa lenda urbana, em que se acreditava pertencer ao Imperador mexicano Maximiliano, mas que está desprovida de qualquer razão uma vez que, segundo trabalhos de investigação como A Arte em Portugal no Século XIX, de José Augusto França, a iconografia revela-nos pormenores característicos da sociedade portuguesa. Ladeado de quatro figuras femininas que representam a Justiça, a Sabedoria, a Moderação e a Força, qualidades atribuídas ao I Imperador do Brasil, a estátua de D. Pedro IV é mimada pelas duas fontes gémeas que tão bem se enquadram nesta praça.
De costa para o monarca português encontramos um dos teatros monumentais da cidade de Lisboa: o Teatro Nacional D. Maria II, inaugurado a 13 de Abril de 1846, durante o reinado da rainha D. Maria II e que estreou com o drama histórico de Jacinto Aguiar de Loureiro – O Magriço e os Doze de Inglaterra. De estilo neoclássico, a sua sumptuosidade permite-nos imaginar ao tempo da monarquia, quão gracioso seria assistir a uma peça teatral, esquecendo por completo que o local de onde emergiu era nada mais do que, já as ruínas é certo, a antiga sede da Inquisição - o Palácio dos Estaús.
Ladeando todo o Rossio encontra-se o comércio subjacente a esta praça e onde, incontornavelmente, destacamos os cafés mais antigos e que serviram de palco de conversas, debates literários e até de congeminações políticas. O Nicola é dos mais antigos cafés de Lisboa, frequentado por figuras incontornáveis da nossa sociedade, destacando-se Manuel Maria Barbosa Du Bocage. Outro estabelecimento carregado de história é o antigo Botequim do Gonzaga ou Café Freitas, inaugurado em meados do século XIX e hoje conhecido por Café O Gelo, onde imperavam as ideias revolucionárias dos republicanos, maçons e carbonários. Foi deste café que partiram Manuel Buíça e Alfredo Costa em direcção ao desgraçado regicídio que minutos depois ocorrera no Terreiro do Paço.
Antes de abandonarmos a Praça D. Pedro IV, tempo ainda para admirarmos a magnífica Estação do Rossio, recentemente restaurada. De estilo neo-manuelino, esta obra de João Luís Monteiro possui oito portadas em ferro forjado conjugadas com as suas nove janelas e foi inaugurada em 1890. Respire fundo e deixe-se contemplar com esta maravilhosa fachada que, à semelhança do seu relógio, marca o passar dos tempos pela cidade de Lisboa. Uma recomendação: no final do dia, já com o cair da noite, regresse a esta estação e surpreenda-se com o espectáculo nocturno.
Com o Rossio a contra-costas, infiltremo-nos agora nas ruas mais emblemáticas do centro da cidade, todas elas carregadas de história e onde a sua toponímia não passa despercebida aos mais atentos. A mais conhecida de todas é a Rua Augusta, fonte de comércio e de atracção cultural que durante todo o ano nos presenteia com os cheirinhos típicos de Lisboa, no Inverno as castanhas assadas e no Verão o cheirinho a fruta que vários vendedores vão dispondo nos seus carrinhos. Ao fundo da rua encontramos o Arco da Rua Augusta, dando acesso à praça mais emblemática da capital portuguesa: a Praça do Comércio, que visitaremos em pormenor mais adiante. Em toda a Rua Augusta é comum encontrarmos várias actividades lúdicas que despertam a nossa curiosidade e que alimentaram muitas vezes as nossas brincadeiras de criança: ilusionistas, cantores, pintores, homens-estátua (ofereça-lhe uma moedinha e sorria, pois não há melhor), entre outros. A meio desta rua e a caminho do Arco do Triunfo da Rua Augusta, avistamos do lado direito a antiga Rua Aúrea, hoje Rua do Ouro, que deve o seu nome ao facto de albergar, durante muito tempo, o ofício de ourives. É exactamente na ligação entre a Rua do Ouro e a Rua do Carmo que se destaca o célebre Elevador de Santa Justa, uma obra de 1902 e em estilo neo-gótico que tinha como função, à época, facilitar o acesso dos lisboetas ao Largo do Carmo, sendo por esta razão conhecido como o Ascensor Ouro-Carmo. Actualmente, este elevador não é mais do que uma atracção turística que permite desfrutar de uma panorâmica única da cidade de Lisboa, no cimo dos seus 45 metros de altura. É também no último piso do ascensor que conseguimos uma melhor percepção do antigo Convento do Carmo, as mesmas ruínas que são avistadas na Praça do Rossio, mas agora com uma aproximação real que nos permite compreender a monumentalidade deste edifício.
Aproveitando a subida ao Elevador de Santa Justa e após passarmos um dos arcobotantes que sobraram da Igreja do Convento do Carmo, chegamos finalmente ao Largo do Carmo e deparamo-nos com o portal gótico que dá entrada para o Convento. Fundado por D. Nuno Álvares Pereira, em 1389, as ruínas albergam hoje o Museu Arqueológico do Carmo, com exposições permanentes que vale a pena visitar e onde se encontra sepultado El-Rei D. Fernando, num túmulo gótico de grande relevância na História da Arte. A história deste Convento culminou em desgraça com o terramoto de 1755, à semelhança do que aconteceu com o seu vizinho Convento Real da Trindade. Acredita-se inclusive que no dia do terramoto, os lisboetas no meio da confusão ouviram um imenso estrondo na cidade, apercebendo-se e gritando de imediato “caiu o Carmo e a Trindade”, originando a expressão muito conhecida e utilizada para situações menos agradáveis. Anexado ao que são hoje as ruínas do convento, situa-se o Quartel da Guarda Nacional Republicana, igualmente famoso por ter sido praticamente o palco da revolução de 25 de Abril de 1974. Não menos interessante é o Chafariz do Carmo, do século XVIII, cuja água provinha do famoso Aqueduto das Água Livres.
António Ribeiro Chiado, poeta
Descendo do Largo do Carmo em direcção ao Tejo, chegamos a uma das zonas mais chiques de Lisboa e que, inexplicavelmente, talvez pela sua multiplicidade, nos alimenta a alma e, pelo menos aos lisboetas, faz-nos sentir que somos realmente daquela cidade: o Chiado. A luz, as cores, a variedade de pessoas, as animações de rua, os edifícios de traça pombalina, as lojas, as livrarias centenárias, enfim, tudo serve de pretexto para se visitar o Chiado e partilhar um pouco de tudo, tal como Fernando Pessoa o sentia e exprimia. O poeta era frequentador assíduo do café mais famoso deste Bairro, A Brasileira, fundado em 19 de Novembro de 1905 e onde se vendia, na altura, o verdadeiro café oriundo do Brasil. Com o passar do tempo, o café passou a palco de tertúlias a vários níveis, especialmente as literárias, de onde se destacam algumas figuras como Almada Negreiros e, imortalizado em 1988 com uma estátua em bronze na esplanada do café, Fernando Pessoa.
Fernando Pessoa, poeta
Mesmo ao lado do café A Brasileira, é impossível não contemplar o Largo de Camões, com a estátua do poeta a avistar toda a multidão do Chiado e já a paredes-meias com o Bairro Alto. Descendo a Rua Garrett em direcção aos Armazéns do Chiado, vale a pena visitar ainda o Largo de São Carlos, na freguesia dos Mártires, onde se situava a antiga sede do Partido Republicano Português e outrora denominado de Largo do Directório. Foi também aqui que nasceu o poeta Fernando Pessoa, mesmo em frente ao Teatro Nacional de São Carlos. Inaugurado pela Rainha D. Maria I, em 30 de Julho de 1793, este teatro dispõe de uma sala monumental que lhe permite receber os mais ilustres cantores de ópera internacionais.
De regresso à Rua Garrett, podemos agora descer gradualmente em direcção aos Armazéns do Chiado, uma versão moderna daquilo que um dia foram realmente estes Armazéns, desaparecidos com o grande incêndio de 25 de Agosto de 1988. Na chegada à Rua do Carmo, já se ouve de longe a caricata carrinha verde que, estacionada nesta rua há mais de 15 anos, vai tocando os mais variados fados na voz de grandes fadistas portugueses, entre eles, a diva Amália Rodrigues. Para quem quiser desfrutar de uma das mais belas vistas sobre a cidade de Lisboa, recomendo tomarem um cafezinho no terraço do Hotel do Chiado, virado para a colina do Castelo de São Jorge, pois a vista sobre o Tejo é algo indescritível e, mesmo de noite, ficará para sempre nas nossas memórias.
De regresso à Rua Garrett, podemos agora descer gradualmente em direcção aos Armazéns do Chiado, uma versão moderna daquilo que um dia foram realmente estes Armazéns, desaparecidos com o grande incêndio de 25 de Agosto de 1988. Na chegada à Rua do Carmo, já se ouve de longe a caricata carrinha verde que, estacionada nesta rua há mais de 15 anos, vai tocando os mais variados fados na voz de grandes fadistas portugueses, entre eles, a diva Amália Rodrigues. Para quem quiser desfrutar de uma das mais belas vistas sobre a cidade de Lisboa, recomendo tomarem um cafezinho no terraço do Hotel do Chiado, virado para a colina do Castelo de São Jorge, pois a vista sobre o Tejo é algo indescritível e, mesmo de noite, ficará para sempre nas nossas memórias.
Deixando agora o Chiado, rumamos em direcção ao Tejo até encontrarmos a Praça do Município, local onde se instala o edifício dos Paços do Concelho de Lisboa. Em frente ao histórico edifício encontra-se o pelourinho revivalista e que substitui o anterior, fruto das consequências deixadas pelo terramoto de 1755. Em plena Rua do Arsenal, seguimos para a grandiosa Praça do Comércio, vulgarmente conhecida por Terreiro do Paço, marcada por um episódio negro da História de Portugal: o regicídio de El-Rei D. Carlos I e do príncipe herdeiro D. Luís Filipe. Num clima político tenso e com a viragem para a República praticamente à porta, o inevitável acaba por suceder quando a família real regressa do seu palácio em Vila Viçosa, no dia 01 de Fevereiro de 1908. Desembarcando na Estação Fluvial Sul e Sueste cerca das 17h, D. Carlos decide prosseguir caminho em carruagem aberta, mesmo sabendo das tensões políticas que se viviam, acompanhado da Rainha D. Amélia e dos seus filhos D. Luís Filipe e D. Manuel II. Na chegada ao Terreiro do Paço e quase na intercepção com a Rua do Arsenal, os monarcas são atacados por Manuel Buíça e Alfredo Costa, os regicidas, que atingem mortalmente o Rei e o príncipe herdeiro. A Rainha D. Amélia saiu incólume, assim como D. Manuel II que, embora muito novo, acabara de herdar um reino complicado e já com destino traçado.