HOBSBAWM, E. J., A Era do Império (1875-1914), 1ª ed., Lisboa, Editorial Presença, 1990
Marco Monteiro, historiador
Eric Hobsbawm nasceu em Alexandria em Junho de 1917. Pertencendo a uma família judaica de classe média, viu conturbada a vida de seus pais que, entre as duas grandes guerras, foram obrigados a deslocarem-se para Viena e mais tarde para Berlim, onde acabaram por perecer já no período da grande depressão. Forçado pelas circunstâncias da vida, Hobsbawm e sua irmã ficaram a cargo do seu tio que trabalhava nos Estados Unidos da América, emigrando mais tarde para Inglaterra, onde actualmente é Professor Emérito de História no Birkbeck College, Universidade de Londres.
O marco da longa carreira de historiador situa-se nas suas três principais obras que relatam de uma forma acessível e inebriante a história do século XIX: A Era das Revoluções (1789-1848), A Era do Capital (1848-1875) e A Era do Império (1875-1914). É precisamente sobre este último trabalho que incide esta recensão e que, a todo o esforço, tentará sintetizar, compreender e enquadrar todas as situações inovadoras e consequentes problemas nascidos e criados no século XIX e princípios do século XX.
Reconstituir o passado para melhor entender o presente é a principal tarefa que ocupa a tempo inteiro os historiadores contemporâneos, mesmo que para isso tenhamos que nos sobrepor aos mais complicados desafios, ultrapassando as mais enigmáticas barreiras do passado. No entanto, períodos existem em que é difícil perceber onde de facto começam as interligações com o tempo que já terminou e aquele que agora começa, levando muitas vezes ao erro de se romper com as eras anteriores, iniciando uma nova época sem bases, como que surgida do nada. Na verdade, são estas rupturas que muitas vezes encontramos nas obras de quem faz história e que, consequentemente, dificultam a percepção de uma continuidade do tempo, a continuidade que Hobsbawm precisamente defende em todas as suas obras. A Era do Império não constitui excepção e tem a pretensão de apreciar o século XIX como medida de tudo aquilo que se gerou a partir de 1776 e que se estenderá até 1914 por alturas da I Grande Guerra Mundial porque, se tivesse que existir de facto uma ruptura na história, seria este o momento mais indicado. O fim de um longo século XIX, constituído pela e para a Burguesia terminaria aqui, começando agora uma nova era marcada pelo início da formação de uma nova personalidade, sem contudo romper com o passado capitalista e imperialista. A apelidada era do império que nasceu nada mais, nada menos de uma revolução industrial, carrega hoje culpas no cartório na forma como as gentes do presente pensam e desenvolvem a sua maneira de ser, pois mais uma vez se verifica a interligação desta era marcada pelo triunfo e pela transformação do capitalismo com a era de que actualmente somos parte integrante. Assim, parece que o autor pretende demonstrar uma vez mais a responsabilidade do passado com os actos do presente e desta forma salientar a inegável continuidade da história.
Depois de enunciarmos tantas vezes o “longo século XIX”, chegou a hora de percebermos qual a conjuntura que a ele se adequava e todo o desenvolvimento inerente à tão afamada revolução industrial. No primeiro capítulo da presente obra, Hobsbawm situa-nos no tempo e enquadra-nos em plena época oitocentista em que o mundo sofrera já significativas mudanças, dignas de realce. O crescimento demográfico era agora notório e registavam-se números incríveis no globo, especialmente entre 1800 a 1900, tornando o mundo demograficamente maior, mas geograficamente mais apertado. Embora este crescimento populacional se tenha verifica em todas as partes do planeta, a verdade é que sempre existiram zonas que souberam gerir melhor os seus recursos tornando-se potencialmente desenvolvidas e extremamente ricas. Por volta de 1880, o mundo encontrava-se praticamente dividido em duas partes: uma parte desenvolvida, rica e dominante e outra parte mais retardatária, pobre, e consequentemente, dependente. A Europa por sua vez, não continha apenas as raízes do desenvolvimento capitalista que dominava e transformava, mas representava simultaneamente a mais importante componente da economia mundial e ainda da sociedade burguesa. Associada a este desenvolvimento económico estava ainda a cultura e a própria vida intelectual, em muito superior aos outros continentes que, em grande parte e especialmente abaixo da África Setentrional, continuavam ainda ligados a técnicas ultrapassadas e que constituíam uma barreira ao desenvolvimento. A oriente, o Império Chinês marcava excepção em relação a outros países asiáticos, pois impunha-se como uma sociedade desenvolvida e extremamente culta, embora mais adaptada ao meio em que se encontrava inserido.
À semelhança do que até então sucedera, a agricultura nesta época continuava a empregar a maior parte da população dos países europeus, o que demonstra o ainda carácter agrícola destas sociedades. No entanto, países existiam em que esta situação não se verificava e que constituíam o coração do grande desenvolvimento capitalista (Bélgica; Grã-Bretanha; França; Alemanha; Holanda e Suíça). Relativamente à indústria, contrariamente do que se possa pensar não estava confinada somente ao mundo dominante e desenvolvido mas também ao mundo retardatário, nomeadamente em determinadas colónias que se defendiam contra os fortes interesses da metrópole. Apesar de tudo e a par destes indícios de industrialização, tal não significa que estivessem perto ou mesmo a caminho de uma revolução industrial, prevalecendo ainda os artesãos familiares e algumas técnicas rudimentares.
Paralelamente ao desenvolvimento industrial, o mundo avançado sofrera também uma forte urbanização, sendo que em 1890 existiam já cerca de 103 cidades. Para além disso, esta urbanização é caracterizada por um grande desenvolvimento industrial que aos poucos dizimava as regiões campónias.
Tal como é admitido pelo próprio autor, fazer a distinção entre estas duas partes do mundo não é de todo uma tarefa simples, porém, existia um modelo que por todos os países, desenvolvidos e não desenvolvidos, era desejado. Este modelo, baseado no Estado-nação liberal-constitucional, deveria constituir um Estado mais ou menos homogéneo no que concerne ao território e de preferência grande para que fornecesse garantias de desenvolvimento económico, composto ainda por uma constituição que regesse todos os princípios e onde imperasse a respectiva lei. Composto por cidadãos, deveria dispor ainda de autonomia local e respeitar as relações que estes deveriam ter directamente com o governo. Porém, apesar de desejado, este modelo não existia no mundo dependente, não desenvolvido, pois a sua maior parte era composto por possessões europeias.
Ainda no campo do progresso sócio-económico, o século XIX é marcado pelo domínio da tecnologia e das consequências que desta advêm, nomeadamente da crescente produção material e da comunicação. O ferro, o aço e o carvão dão azo às mais requintadas maquinarias da época e empregam mais homens do que qualquer outro empreendimento. Os caminhos-de-ferro conotam-se como uma imensidão mundial e penetravam por tudo quanto era sítio a par das novas redes de linhas telegráficas.
Foi assim que o século XIX se mostrou durante praticamente os anos de 1870, contudo este glorioso progresso teria as suas consequências e a sociedade burguesa começava a rodear-se de vozes pessimista e que alertavam para a queda deste comércio movido pela nova tecnologia.
A partir de 1873 a economia mundial começa a ser marcada por uma perturbação e depressão do comércio. Efectivamente, durante este período e até cerca de 1890 a revolução industrial alargou-se a outros países, nomeadamente à Suécia e à Rússia e expandiu-se fortemente em zonas como a Alemanha e Estados Unidos da América, mas seria agora este espectacular crescimento sinónimo de “grande depressão”? Na realidade sim! O enorme investimento económico espalhado por todo o mundo levou a níveis de produção sobrelevados e que agora não mostravam rentabilidade suficiente. O principal sector afectado por esta neófita crise foi uma vez mais a agricultura e todos os seus ramos, o que provocou uma agitação eleitoral e ainda algumas rebeliões, já para não falar das vítimas assoladas pela fome. O efeito imediato provocado por esta conjuntura foi a emigração por aqueles que não possuíam qualquer pedaço de terra e ainda a cooperação por parte daqueles camponeses detentores de algumas explorações que se mostravam potencialmente viáveis. Em agravante, os custos da produção continuavam mais altos do que os preços, à medida que os salários não baixavam e tornavam impossíveis os respectivos lucros. O equipamento investido pelas firmas demorava a amortizar e alguns tornavam-se até obsoletos, levando à falência qualquer negócio e tornando inviável a prática destas actividades.
Outro aspecto importante na economia mundial e que a influenciou negativamente foi a queda da prata e da respectiva taxa de troca deste metal com o ouro, o que dificultava o pagamento dos produtos com estes metais. No âmbito da “Grande Depressão”, algumas soluções se propunham para a resolução deste problema, entre elas, a imposição de um sistema de bi-metalismo em que a prata e o ouro dominariam em conjunto o mercado, ao invés do que acontecia actualmente em que a libra esterlina era o ex-líbris da comercialização. Por outro lado, os grupos de agricultores e importantes grupos de industriais defendiam a protecção da produção interna, precisamente contra a competição de bens importados, ideia que no fundo mais interessava aos governos.
Apesar de tudo, nenhuma destas propostas terá tanto sucesso como o imperialismo que terminará com a grande depressão, precisamente aquela que pôs termo à longa era do liberalismo económico. No entanto, no âmbito do proteccionismo interno, a Grã-Bretanha foi o único país que conseguiu manter o seu livre comércio, pois como é óbvio, sendo o maior exportador de capitais a nível mundial, assim como de serviços financeiros, comerciais e ainda de transporte, tinha todo o interesse neste tipo de comércio.
Desta forma, a era do império tornara-se uma economia com uma base geográfica muito ampla em que o sector industrial se expandira bastante e deixara de se restringir somente à Grã-Bretanha. A par deste progresso económico e industrial, o mundo subdesenvolvido relacionava-se agora muito mais complexamente do que dantes com o primeiro mundo, o que facilitava as relações comerciais e beneficiava a economia mundial. A revolução tecnológica marcou o mundo de uma forma incrível à medida que dava o seu contributo de uma forma meritória à nova era do império, no fundo e como afirma o autor, uma era de rivalidades entre os diversos estados. A própria transformação na estrutura das empresas capitalistas permitiu racionalizar os custos de produção e dirigir a empresa em consonância com a organização e o próprio cálculo.
Assim, depois de um período de grande depressão, sucedeu-se uma nova época em que a economia mundial cresceu e transformou-se, aliviando um pouco a tensão sentida anos antes. No entanto, esta nova era não significava o término da fome ou da pobreza e muito menos se tornou sinónimo de uma “Idade do Ouro”.
Como foi referido anteriormente, o imperialismo foi uma das medidas adoptadas para combater a fase depressiva em que se encontrava a economia mundial, a par de algumas medidas proteccionistas do comércio interno. Na realidade, o período que decorre entre 1875 a 1914 foi uma época de imperialismo, mais especificamente de imperialismo colonial que acabou por dar o nome a esta “Era do Império”. A partir desta altura, o colonialismo tomou conta do mundo e acabou por dividir duas importantes regiões do globo, nomeadamente, a África e o Pacífico.
Por outro lado, começavam as contestações em relação à interligação do imperialismo do passado com o imperialismo surgido agora século XX e ainda deste com o capitalismo, contrariando a visão marxista sobre este assunto. No fundo, eram da opinião de que o imperialismo de nada servia e que a sua importância era nula no que diz respeito aos benefícios económicos nos países ditos imperiais. Para além disso, contestavam ainda a influência do imperialismo na origem da I Guerra Mundial.
Na realidade, se tentarmos perceber o motivo pelo qual ocorreu a expansão colonial depressa nos apercebemos que o principal factor foi a procura de mercados, apesar de mais tarde esta procura ter-se revelado frustrante. Porém, tal como afirma Hobsbawm, “ ...o «novo imperialismo» era um produto sobrenatural de uma economia internacional baseada na rivalidade de várias economias industriais em competição...”, não sendo de esperar encontrar outras formas enriquecedoras nas novas possessões coloniais. Para além disso, é mais do que evidente que as relações entre as metrópoles e as colónias foram sempre desiguais, como que de superior para inferior. Entre os principais países colonizadores, é de destacar o enorme interesse da Grã-Bretanha em manter as suas possessões, pois dela retirava grande parte dos produtos necessários à produção dos seus bens comercializáveis, já para não falar da sua colónia sul africana onde predominava a extracção mineira.
Apesar do aspecto económico caracterizar e dominar grande parte da estruturação desta era imperial, o fenómeno cultural marca também esta época em que o imperialismo acaba ocidentalizar as elites potenciais deste mundo desenvolvido. Os hábitos da cultura ocidental eram incutidos às novas civilizações coloniais, desde da conversão ao cristianismo até à educação.
Se por um lado o imperialismo triunfou, principalmente em países como a Grã-Bretanha, por outro lado levantou alguns problemas que tornaram insustentável a relação entre as colónias e a metrópole. Entre estes problemas, surgia a falta de controlo existente nos impérios coloniais no que concerne à sua governação.
No quarto capítulo da sua obra, intitulado “A Política da Democracia”, Hobsbawm fala-nos da necessidade de democratização da política da sociedade burguesa. Tendo em conta o número de elementos do governo da massa popular, verifica-se que é de facto demasiado pobre, o que antagonizava o conceito geral de democracia.
Depois de 1870 a democratização dos estados tornou-se cada vez mais inevitável, tornando possível a abertura a um eleitorado mais vasto e constituído principalmente pelas massas populares.
Por volta de 1880 e até 1914 verifica-se que a maior parte dos estados ocidentais já se encontravam democratizados, surgindo agora a dúvida de como deveria ser manipulada esta democratização. Uma das possíveis soluções passava por começar a limitar o poder das assembleias pelo sufrágio universal, posição adoptada, aliás, pela Alemanha. Outra hipótese seria a da criação de Segundas Câmaras, compostas por elementos hereditários em que se efectuavam votações especiais por colégios eleitorais ou, em último recurso seriam estabelecidas instituições semelhantes.
Todas estas medidas tinham, como é óbvio, o objectivo de travar o processo de democratização, porém, cada vez mais o mundo político caminhava para sistemas políticos onde quem dominava era precisamente o povo comum. Mas quem eram de facto estas novas massas políticas? A classe operária constituía parte integrante desta nova democratização, assim como algumas coligações de nível intermédio (pequena burguesia constituída por mestres-artificies e pequenos caixeiros) que faziam frente quer aos mais ricos, quer aos mais desfavorecidos. Caracterizada por ser uma classe maioritária em diversos países e sendo o maior grupo económico em muitos outros, o campesinato encontrava-se no leque desta massa política, o que deixava ao governo muito pouco espaço de manobra, pois nenhum Estado teria a ousadia de contrariar os interesses económicos de um corpo tão grande de eleitores.
À medida que o processo de democratização avança começam a surgir alguns problemas relacionados com o modo como até então a política tem decorrido, nomeadamente, se esta nova democracia enquanto sistema político não intervirá nas relações comerciais externas que a Grã-Bretanha tem desenvolvido, entre muitos outros aspectos económicos.
No fundo, ao longo deste quarto capítulo o autor relata-nos inúmeras tentativas dos Estados para contraporem todas as medidas inerentes ao processo de democratização e limitarem, sobretudo, os poderes das respectivas massas políticas. Porém, entre 1880 e 1914 as classes dirigentes rapidamente puderam concluir que afinal, e contrariamente ao que julgavam, a democracia parece ser perfeitamente compatível com a estabilidade económica capitalista. Quem de facto não concordava de todo com esta ideia eram os revolucionários sociais.
Tal como referido anteriormente, a maior classe da nova democratização era precisamente a classe dos trabalhadores. Na verdade, a classe do proletariado aumentava dia após dia em paralelo com a industrialização que cada vez mais assolava o Ocidente. Eram estes trabalhadores que contribuíam para o desenvolvimento económico dos países, laborando na agricultura e simultaneamente na indústria. Foram eles a alma da urbanização, contribuindo para que esta avançasse mais rapidamente no final de século. O desenvolvimento dos caminhos-de-ferro ajudavam à emigração e rapidamente estes homens trocavam de trabalho conforme as suas necessidades, ajudando ao notável avanço dos partidos desta classe trabalhadora.
Os objectivos destes partidos passavam por emancipar a classe trabalhadora, representando perante os Estados e respectivos capitalistas. Contudo, o problema da não homogeneidade entre classes, principalmente a separação do proletariado agrícola, dificultava a situação.
No entanto, a ascensão do proletariado era cada vez maior, apesar das dificuldades, e quando os partidos possuíam todo o apoio necessário poderiam facilmente tornar-se partidos do governo, exactamente como viria a suceder a partir de 1918.
A par do imperialismo, no sexto capítulo desta obra o autor debruça-se sobre outro tipo de expressão sentido em inícios do século XX, falamos precisamente em termos como o «nacionalismo» e «patriotismo», o que virá a constituir consequentemente as bases que conduzirão à Primeira Grande Guerra Mundial. Sobre este assunto, poderemos nos certificar mais explícita e detalhadamente na segunda parte desta recensão.
O marco da longa carreira de historiador situa-se nas suas três principais obras que relatam de uma forma acessível e inebriante a história do século XIX: A Era das Revoluções (1789-1848), A Era do Capital (1848-1875) e A Era do Império (1875-1914). É precisamente sobre este último trabalho que incide esta recensão e que, a todo o esforço, tentará sintetizar, compreender e enquadrar todas as situações inovadoras e consequentes problemas nascidos e criados no século XIX e princípios do século XX.
Reconstituir o passado para melhor entender o presente é a principal tarefa que ocupa a tempo inteiro os historiadores contemporâneos, mesmo que para isso tenhamos que nos sobrepor aos mais complicados desafios, ultrapassando as mais enigmáticas barreiras do passado. No entanto, períodos existem em que é difícil perceber onde de facto começam as interligações com o tempo que já terminou e aquele que agora começa, levando muitas vezes ao erro de se romper com as eras anteriores, iniciando uma nova época sem bases, como que surgida do nada. Na verdade, são estas rupturas que muitas vezes encontramos nas obras de quem faz história e que, consequentemente, dificultam a percepção de uma continuidade do tempo, a continuidade que Hobsbawm precisamente defende em todas as suas obras. A Era do Império não constitui excepção e tem a pretensão de apreciar o século XIX como medida de tudo aquilo que se gerou a partir de 1776 e que se estenderá até 1914 por alturas da I Grande Guerra Mundial porque, se tivesse que existir de facto uma ruptura na história, seria este o momento mais indicado. O fim de um longo século XIX, constituído pela e para a Burguesia terminaria aqui, começando agora uma nova era marcada pelo início da formação de uma nova personalidade, sem contudo romper com o passado capitalista e imperialista. A apelidada era do império que nasceu nada mais, nada menos de uma revolução industrial, carrega hoje culpas no cartório na forma como as gentes do presente pensam e desenvolvem a sua maneira de ser, pois mais uma vez se verifica a interligação desta era marcada pelo triunfo e pela transformação do capitalismo com a era de que actualmente somos parte integrante. Assim, parece que o autor pretende demonstrar uma vez mais a responsabilidade do passado com os actos do presente e desta forma salientar a inegável continuidade da história.
Depois de enunciarmos tantas vezes o “longo século XIX”, chegou a hora de percebermos qual a conjuntura que a ele se adequava e todo o desenvolvimento inerente à tão afamada revolução industrial. No primeiro capítulo da presente obra, Hobsbawm situa-nos no tempo e enquadra-nos em plena época oitocentista em que o mundo sofrera já significativas mudanças, dignas de realce. O crescimento demográfico era agora notório e registavam-se números incríveis no globo, especialmente entre 1800 a 1900, tornando o mundo demograficamente maior, mas geograficamente mais apertado. Embora este crescimento populacional se tenha verifica em todas as partes do planeta, a verdade é que sempre existiram zonas que souberam gerir melhor os seus recursos tornando-se potencialmente desenvolvidas e extremamente ricas. Por volta de 1880, o mundo encontrava-se praticamente dividido em duas partes: uma parte desenvolvida, rica e dominante e outra parte mais retardatária, pobre, e consequentemente, dependente. A Europa por sua vez, não continha apenas as raízes do desenvolvimento capitalista que dominava e transformava, mas representava simultaneamente a mais importante componente da economia mundial e ainda da sociedade burguesa. Associada a este desenvolvimento económico estava ainda a cultura e a própria vida intelectual, em muito superior aos outros continentes que, em grande parte e especialmente abaixo da África Setentrional, continuavam ainda ligados a técnicas ultrapassadas e que constituíam uma barreira ao desenvolvimento. A oriente, o Império Chinês marcava excepção em relação a outros países asiáticos, pois impunha-se como uma sociedade desenvolvida e extremamente culta, embora mais adaptada ao meio em que se encontrava inserido.
À semelhança do que até então sucedera, a agricultura nesta época continuava a empregar a maior parte da população dos países europeus, o que demonstra o ainda carácter agrícola destas sociedades. No entanto, países existiam em que esta situação não se verificava e que constituíam o coração do grande desenvolvimento capitalista (Bélgica; Grã-Bretanha; França; Alemanha; Holanda e Suíça). Relativamente à indústria, contrariamente do que se possa pensar não estava confinada somente ao mundo dominante e desenvolvido mas também ao mundo retardatário, nomeadamente em determinadas colónias que se defendiam contra os fortes interesses da metrópole. Apesar de tudo e a par destes indícios de industrialização, tal não significa que estivessem perto ou mesmo a caminho de uma revolução industrial, prevalecendo ainda os artesãos familiares e algumas técnicas rudimentares.
Paralelamente ao desenvolvimento industrial, o mundo avançado sofrera também uma forte urbanização, sendo que em 1890 existiam já cerca de 103 cidades. Para além disso, esta urbanização é caracterizada por um grande desenvolvimento industrial que aos poucos dizimava as regiões campónias.
Tal como é admitido pelo próprio autor, fazer a distinção entre estas duas partes do mundo não é de todo uma tarefa simples, porém, existia um modelo que por todos os países, desenvolvidos e não desenvolvidos, era desejado. Este modelo, baseado no Estado-nação liberal-constitucional, deveria constituir um Estado mais ou menos homogéneo no que concerne ao território e de preferência grande para que fornecesse garantias de desenvolvimento económico, composto ainda por uma constituição que regesse todos os princípios e onde imperasse a respectiva lei. Composto por cidadãos, deveria dispor ainda de autonomia local e respeitar as relações que estes deveriam ter directamente com o governo. Porém, apesar de desejado, este modelo não existia no mundo dependente, não desenvolvido, pois a sua maior parte era composto por possessões europeias.
Ainda no campo do progresso sócio-económico, o século XIX é marcado pelo domínio da tecnologia e das consequências que desta advêm, nomeadamente da crescente produção material e da comunicação. O ferro, o aço e o carvão dão azo às mais requintadas maquinarias da época e empregam mais homens do que qualquer outro empreendimento. Os caminhos-de-ferro conotam-se como uma imensidão mundial e penetravam por tudo quanto era sítio a par das novas redes de linhas telegráficas.
Foi assim que o século XIX se mostrou durante praticamente os anos de 1870, contudo este glorioso progresso teria as suas consequências e a sociedade burguesa começava a rodear-se de vozes pessimista e que alertavam para a queda deste comércio movido pela nova tecnologia.
A partir de 1873 a economia mundial começa a ser marcada por uma perturbação e depressão do comércio. Efectivamente, durante este período e até cerca de 1890 a revolução industrial alargou-se a outros países, nomeadamente à Suécia e à Rússia e expandiu-se fortemente em zonas como a Alemanha e Estados Unidos da América, mas seria agora este espectacular crescimento sinónimo de “grande depressão”? Na realidade sim! O enorme investimento económico espalhado por todo o mundo levou a níveis de produção sobrelevados e que agora não mostravam rentabilidade suficiente. O principal sector afectado por esta neófita crise foi uma vez mais a agricultura e todos os seus ramos, o que provocou uma agitação eleitoral e ainda algumas rebeliões, já para não falar das vítimas assoladas pela fome. O efeito imediato provocado por esta conjuntura foi a emigração por aqueles que não possuíam qualquer pedaço de terra e ainda a cooperação por parte daqueles camponeses detentores de algumas explorações que se mostravam potencialmente viáveis. Em agravante, os custos da produção continuavam mais altos do que os preços, à medida que os salários não baixavam e tornavam impossíveis os respectivos lucros. O equipamento investido pelas firmas demorava a amortizar e alguns tornavam-se até obsoletos, levando à falência qualquer negócio e tornando inviável a prática destas actividades.
Outro aspecto importante na economia mundial e que a influenciou negativamente foi a queda da prata e da respectiva taxa de troca deste metal com o ouro, o que dificultava o pagamento dos produtos com estes metais. No âmbito da “Grande Depressão”, algumas soluções se propunham para a resolução deste problema, entre elas, a imposição de um sistema de bi-metalismo em que a prata e o ouro dominariam em conjunto o mercado, ao invés do que acontecia actualmente em que a libra esterlina era o ex-líbris da comercialização. Por outro lado, os grupos de agricultores e importantes grupos de industriais defendiam a protecção da produção interna, precisamente contra a competição de bens importados, ideia que no fundo mais interessava aos governos.
Apesar de tudo, nenhuma destas propostas terá tanto sucesso como o imperialismo que terminará com a grande depressão, precisamente aquela que pôs termo à longa era do liberalismo económico. No entanto, no âmbito do proteccionismo interno, a Grã-Bretanha foi o único país que conseguiu manter o seu livre comércio, pois como é óbvio, sendo o maior exportador de capitais a nível mundial, assim como de serviços financeiros, comerciais e ainda de transporte, tinha todo o interesse neste tipo de comércio.
Desta forma, a era do império tornara-se uma economia com uma base geográfica muito ampla em que o sector industrial se expandira bastante e deixara de se restringir somente à Grã-Bretanha. A par deste progresso económico e industrial, o mundo subdesenvolvido relacionava-se agora muito mais complexamente do que dantes com o primeiro mundo, o que facilitava as relações comerciais e beneficiava a economia mundial. A revolução tecnológica marcou o mundo de uma forma incrível à medida que dava o seu contributo de uma forma meritória à nova era do império, no fundo e como afirma o autor, uma era de rivalidades entre os diversos estados. A própria transformação na estrutura das empresas capitalistas permitiu racionalizar os custos de produção e dirigir a empresa em consonância com a organização e o próprio cálculo.
Assim, depois de um período de grande depressão, sucedeu-se uma nova época em que a economia mundial cresceu e transformou-se, aliviando um pouco a tensão sentida anos antes. No entanto, esta nova era não significava o término da fome ou da pobreza e muito menos se tornou sinónimo de uma “Idade do Ouro”.
Como foi referido anteriormente, o imperialismo foi uma das medidas adoptadas para combater a fase depressiva em que se encontrava a economia mundial, a par de algumas medidas proteccionistas do comércio interno. Na realidade, o período que decorre entre 1875 a 1914 foi uma época de imperialismo, mais especificamente de imperialismo colonial que acabou por dar o nome a esta “Era do Império”. A partir desta altura, o colonialismo tomou conta do mundo e acabou por dividir duas importantes regiões do globo, nomeadamente, a África e o Pacífico.
Por outro lado, começavam as contestações em relação à interligação do imperialismo do passado com o imperialismo surgido agora século XX e ainda deste com o capitalismo, contrariando a visão marxista sobre este assunto. No fundo, eram da opinião de que o imperialismo de nada servia e que a sua importância era nula no que diz respeito aos benefícios económicos nos países ditos imperiais. Para além disso, contestavam ainda a influência do imperialismo na origem da I Guerra Mundial.
Na realidade, se tentarmos perceber o motivo pelo qual ocorreu a expansão colonial depressa nos apercebemos que o principal factor foi a procura de mercados, apesar de mais tarde esta procura ter-se revelado frustrante. Porém, tal como afirma Hobsbawm, “ ...o «novo imperialismo» era um produto sobrenatural de uma economia internacional baseada na rivalidade de várias economias industriais em competição...”, não sendo de esperar encontrar outras formas enriquecedoras nas novas possessões coloniais. Para além disso, é mais do que evidente que as relações entre as metrópoles e as colónias foram sempre desiguais, como que de superior para inferior. Entre os principais países colonizadores, é de destacar o enorme interesse da Grã-Bretanha em manter as suas possessões, pois dela retirava grande parte dos produtos necessários à produção dos seus bens comercializáveis, já para não falar da sua colónia sul africana onde predominava a extracção mineira.
Apesar do aspecto económico caracterizar e dominar grande parte da estruturação desta era imperial, o fenómeno cultural marca também esta época em que o imperialismo acaba ocidentalizar as elites potenciais deste mundo desenvolvido. Os hábitos da cultura ocidental eram incutidos às novas civilizações coloniais, desde da conversão ao cristianismo até à educação.
Se por um lado o imperialismo triunfou, principalmente em países como a Grã-Bretanha, por outro lado levantou alguns problemas que tornaram insustentável a relação entre as colónias e a metrópole. Entre estes problemas, surgia a falta de controlo existente nos impérios coloniais no que concerne à sua governação.
No quarto capítulo da sua obra, intitulado “A Política da Democracia”, Hobsbawm fala-nos da necessidade de democratização da política da sociedade burguesa. Tendo em conta o número de elementos do governo da massa popular, verifica-se que é de facto demasiado pobre, o que antagonizava o conceito geral de democracia.
Depois de 1870 a democratização dos estados tornou-se cada vez mais inevitável, tornando possível a abertura a um eleitorado mais vasto e constituído principalmente pelas massas populares.
Por volta de 1880 e até 1914 verifica-se que a maior parte dos estados ocidentais já se encontravam democratizados, surgindo agora a dúvida de como deveria ser manipulada esta democratização. Uma das possíveis soluções passava por começar a limitar o poder das assembleias pelo sufrágio universal, posição adoptada, aliás, pela Alemanha. Outra hipótese seria a da criação de Segundas Câmaras, compostas por elementos hereditários em que se efectuavam votações especiais por colégios eleitorais ou, em último recurso seriam estabelecidas instituições semelhantes.
Todas estas medidas tinham, como é óbvio, o objectivo de travar o processo de democratização, porém, cada vez mais o mundo político caminhava para sistemas políticos onde quem dominava era precisamente o povo comum. Mas quem eram de facto estas novas massas políticas? A classe operária constituía parte integrante desta nova democratização, assim como algumas coligações de nível intermédio (pequena burguesia constituída por mestres-artificies e pequenos caixeiros) que faziam frente quer aos mais ricos, quer aos mais desfavorecidos. Caracterizada por ser uma classe maioritária em diversos países e sendo o maior grupo económico em muitos outros, o campesinato encontrava-se no leque desta massa política, o que deixava ao governo muito pouco espaço de manobra, pois nenhum Estado teria a ousadia de contrariar os interesses económicos de um corpo tão grande de eleitores.
À medida que o processo de democratização avança começam a surgir alguns problemas relacionados com o modo como até então a política tem decorrido, nomeadamente, se esta nova democracia enquanto sistema político não intervirá nas relações comerciais externas que a Grã-Bretanha tem desenvolvido, entre muitos outros aspectos económicos.
No fundo, ao longo deste quarto capítulo o autor relata-nos inúmeras tentativas dos Estados para contraporem todas as medidas inerentes ao processo de democratização e limitarem, sobretudo, os poderes das respectivas massas políticas. Porém, entre 1880 e 1914 as classes dirigentes rapidamente puderam concluir que afinal, e contrariamente ao que julgavam, a democracia parece ser perfeitamente compatível com a estabilidade económica capitalista. Quem de facto não concordava de todo com esta ideia eram os revolucionários sociais.
Tal como referido anteriormente, a maior classe da nova democratização era precisamente a classe dos trabalhadores. Na verdade, a classe do proletariado aumentava dia após dia em paralelo com a industrialização que cada vez mais assolava o Ocidente. Eram estes trabalhadores que contribuíam para o desenvolvimento económico dos países, laborando na agricultura e simultaneamente na indústria. Foram eles a alma da urbanização, contribuindo para que esta avançasse mais rapidamente no final de século. O desenvolvimento dos caminhos-de-ferro ajudavam à emigração e rapidamente estes homens trocavam de trabalho conforme as suas necessidades, ajudando ao notável avanço dos partidos desta classe trabalhadora.
Os objectivos destes partidos passavam por emancipar a classe trabalhadora, representando perante os Estados e respectivos capitalistas. Contudo, o problema da não homogeneidade entre classes, principalmente a separação do proletariado agrícola, dificultava a situação.
No entanto, a ascensão do proletariado era cada vez maior, apesar das dificuldades, e quando os partidos possuíam todo o apoio necessário poderiam facilmente tornar-se partidos do governo, exactamente como viria a suceder a partir de 1918.
A par do imperialismo, no sexto capítulo desta obra o autor debruça-se sobre outro tipo de expressão sentido em inícios do século XX, falamos precisamente em termos como o «nacionalismo» e «patriotismo», o que virá a constituir consequentemente as bases que conduzirão à Primeira Grande Guerra Mundial. Sobre este assunto, poderemos nos certificar mais explícita e detalhadamente na segunda parte desta recensão.
Vera Grilo, historiadora
A presente análise pretende traçar uma abordagem, o mais pormenorizada possível, sobre as várias temáticas enunciadas ao longo dos capítulos 7, 8, 9, 10, 11 e 12. À primeira vista, o historiador é induzido a um estudo circunscrito à História Cultural e das Mentalidades dos séculos XIX e XX. Todavia, e após uma leitura mais minuciosa conclui-se que existe, efectivamente, uma clara e sábia articulação à história político-institucional, económico-social e cultural correspondente à referida cronologia. Desta feita, e citando o autor, a sociologia acaba por representar “... a tentativa mais significativa de dominar intelectualmente as transformações históricas que são o principal assunto deste livro...”(1) Assim sendo, o estudo sociológico reúne um conjunto de problemáticas que se interrelacionam entre si.
Com efeito, trata-se de uma exposição que coloca em debate um conjunto de dados que conferem um sentido de heterogeneidade à aparente homogeneidade, ou seja, a unidade cede perante a diversidade dos factos. Deste modo, talvez se torne pertinente referir a importância que a indagação assume. Esta, por sua vez, acaba por se afigurar como algo mais credível do que a própria representatividade unívoca dos aspectos tratados.
Na verdade, uma sólida consolidação da classe burguesa só ocorre no século XIX. Neste sentido, assiste-se à afirmação de um conjunto de valores que tanto reflectem o seguimento das ideias liberais como assinalam a preservação de uma atitude social de tipo conservador. De facto, o referido grupo oscila entre um espírito de austeridade que visa a manutenção de uma riqueza transmitida ao longo de gerações e o desfrutar de um novo estilo de vida. De forma a manter o seu novo status social, investe em novas residências urbanas onde se distingue um maior conforto.
Para tal, muito contribuiu a acção de uma extensa criadagem. Esta, por sua vez, possibilitou uma maior autonomia do sexo feminino. No plano público, destacam-se as reuniões em grandes salões e a prática crescente de desportos colectivos.(2)
Após uma breve apresentação dos aspectos identificadores da burguesia deste período, verifica-se uma enorme dificuldade em distinguir um grupo de natureza heterogénea.
Se na Europa do Norte e Noroeste, a classe média acompanha e acelera o movimento capitalista, da chamada «Belle Époque», pelo contrário, na Europa do Leste e na Europa Mediterrânica exprime-se a permanência das estruturas do Antigo Regime. Todavia, e mesmo no seio de uma Europa economicamente mais desenvolvida prevalece a ruptura face à possibilidade de unificação. Sobremaneira, e não obstante uma certa abertura assente no factor financeiro, na realidade assiste-se a uma subdivisão onde os vários estádios de riqueza conduzem a um encerramento e hostilidade entre os seus membros. Genericamente, a Alta Burguesia é composta por uma fracção bastante rica de banqueiros, donos de manufacturas e homens da política que souberam aproveitar a fortuna familiar. A média burguesia corresponde, essencialmente, figuras ligados ao funcionalismo público e ao pequeno e médio comércio que encaram a Educação, como uma forma de penetração na Alta Middle Class. Por último, a Baixa Burguesia enquadra um grupo cujo poder financeiro não se demarca muito relativamente ao do operariado.(3) Contudo, o seu estatuto social valia por si só.
No seio de uma realidade tão ambígua é importante realçar o papel da educação enquanto elemento indispensável à ascensão dentro da própria classe, ou seja, à formação de um gentleman. Com efeito, “...a educação representa em certo sentido a competição individualista, a carreira aberta ao talento e o triunfo do mérito sobre o nascimento e sobre o favoritismo de uma forma quase tão efectiva como a actividade financeira...”(4)
Talvez a grande conquista da mulher do século XIX represente uma maior capacidade de controlo da fertilidade. No seio de uma sociedade que preserva o factor educacional, a garantia de uma família restrita afigura-se como um elemento indispensável à sua formação. Todavia, e uma vez mais, o autor alerta para o facto de se tratar apenas de uma minoria representante de alguma mudança significativa. Desta feita, a excepção apresenta um número muito íntimo numa sociedade onde “...a condição da maioria das mulheres das classes trabalhadoras pouco se alterava...”(5)
Embora aumentasse o número de actividades de tipo doméstico, na verdade, não dissipam a importância do papel masculino face à economia familiar.
De facto, as alterações mais visíveis ocorrem em torno da mulher burguesa. Não obstante as críticas por parte da fracção mais conservadora, a mulher da classe média acaba por traçar o seu caminho procurando uma certa libertação relativamente aos preconceitos anteriores. Com efeito, intensifica o número de novos empregos, sobretudo ligados ao consumismo feminino. Através da própria roupa, a mulher pretende emancipar-se visando uma ruptura com a ordem instituída.(6) As mulheres cultas e reivindicativas, procuram não só adquirir mais direitos de ordem económica, como de natureza política. Geralmente, as petições sufragistas surgem associadas a ideologias de cariz revolucionário, tal como o socialismo. Contudo, o seu impacto à escala global confinar-se-ia à Grã-Bretanha e aos E.U.A.
À parte de figuras notáveis como Rosa Luxemburgo, Madame Curie ou Beatrice Webb, o percurso da mulher comum continua dependente de uma estrutura tradicionalmente mais conservadora.
“...Poucas sociedades valorizaram mais as obras do génio criador [...]. Poucas estiveram tão prontas como ela a despender tanto dinheiro com as artes e, em termos puramente quantitativos, nenhuma sociedade anterior comprara quantidades comparáveis de livros velhos e novos, de objectos materiais, quadros, esculturas, peças esculpidas de alvenaria e bilhetes para espectáculos teatrais ou musicais [...]. Acima de tudo e paradoxalmente, poucas sociedades estiveram tão convencidas como esta de que viviam numa idade de ouro da criação artística.”.(7)
Aparentemente tudo leva a crer que a sociedade em questão, à mercê de uma melhoria do nível de vida, de um aumento dos tempos livres e de um maior acesso à instrução, conheceu uma verdadeira revolução artística.
Para além de qualquer certeza paira a dúvida em torno de um temática que não é mais do que um jogo de contradições. Trata-se de um período que reúne em si as bases de uma arte que só se consolidará no período do pós-guerra.
Com efeito, apresenta-se como um ponto de união entre o imanente e o transcendente, ou seja, entre a realidade e o imaginário. Deste modo, a dualidade separa o espaço da objectividade do espaço da subjectividade. A «art noveau» pretende conciliar a tradição com a necessidade de inovação acabando por confundir o contemporâneo com o moderno.
Não obstante as grandes imprecisões relativamente ao objecto, método, sujeito e público, as várias influências culturais acabam por sem exprimir sob a forma de indefinição artística. Numa época de grande euforia económica, o capitalismo investe sobre objectos de arte, muitas vezes, incompreendidos.
Em oposição à cultura elitista burguesa da «Belle Époque», começa a desenvolver-se uma cultura de massas indispensável para a formação da opinião pública.(8)
A imprensa conhece um desenvolvimento imparável. Desta feita, são divulgados em número sempre crescente, jornais, revistas, romances – folhetins, contos, publicidade, romances policiais, romances «cor-de-rosa» e banda desenhada. Por outro lado, continua a difundir-se a fotografia, a música e a dança.
O cinema, por sua vez, deixa de ser considerado como um divertimento da classe média, tornando-se numa verdadeira indústria artística, conferindo a Hollywood o lugar do estrelato.
No sentido de desorientar ainda mais o público, difunde-se uma arte anti-burguesa, anti-convencional, afirmando-se como uma “voz revolucionária” que rompe com o fin du siécle.
O século XIX é marcado por uma forte crença nos poderes da razão. As sociedades europeias acreditavam nas potencialidades do positivismo. Com efeito, o cientificismo afigurava-se como o caminho que conduziria ao progresso. Deste modo, e graças a um contínuo investimento, desenvolveram-se importantes estudos no âmbito da matemática. Relativamente à física, assiste-se a uma intensificação dos estudos sobre o electromagnetismo. No que concerne à química “... a sua expansão foi espectacular, particularmente na Alemanha, devido em grande parte à multiplicidade das suas aplicações industriais: do campo das tintas, dos corantes e dos fertilizantes aos produtos farmacêuticos e dos explosivos...”(9) De facto, era bastante significativo o número de cientistas que trabalhavam sobre os vários processos inerentes a esta área de investigação.
No que se relaciona à biologia destacam-se sobretudo investimentos na área da bacteriologia e da imunologia.
Não desprezando os avanços científicos enunciados, devemos ter presente o facto da maior parte das teorias não passarem de hipóteses que nunca chegaram a leis.
A par de uma certa continuidade e descontinuidade, multiplicam-se e contradizem-se as várias suposições. Desta feita, o sentido de rigidez absoluta cede perante a noção de relatividade científica.
Tendo por base a exposição de Hobsbawm, conclui-se que o processo científico não ocorre de forma linear. Sobremaneira, difunde-se sobretudo nas regiões correspondentes à Europa Central e à Europa do Norte.
As novas correntes de intelectualidade fundadas pela força do racionalismo, provocam uma crise de consciência entre os valores preconizados pela nova sociedade e os valores tradicionais do catolicismo. De certo modo, consolida-se um novo ateísmo por parte das classes médias. Citando, uma vez o autor, “...para a maioria dos países da Europa, progresso e secularização caminhavam a par...”(10)
Embora houvesse um afrouxamento perante a religiosidade, na realidade não podemos falar de um anticlericalismo global.(11)
No que diz respeito às Ciências Sociais e Humanas conheceram também um significativo avanço.
A psicologia, mais concretamente o método da psicanálise desenvolvido por Sigmund Freud, revela uma importante revolução no estudo da mente humana.
Por outro lado, a sociologia preocupa-se com a evolução histórica de todas as sociedades, alertando para a inevitabilidade de um conflito armado à escala mundial. Neste sentido, a própria antropologia social atesta o sentimento de racismo existente entre os povos.
De certo modo, a única teoria social ainda aceite por economistas, historiadores e sociólogos foi elaborada por Karl Marx. Trata-se de uma ideologia que assenta no materialismo histórico, analisando as forças produtivas, o modo de produção e as relações de produção. Assim sendo, a infra-estrutura condiciona a super-estrutura jurídica. Segunda Marx, a história do século XIX estava dominada pela oposição entre a burguesia e o operariado. Como tal, o elemento de transformação da sociedade assentava na luta de classes, anunciando os prelúdios da Revolução Russa.
Genericamente, e à excepção da República Francesa, todos os estados europeus encontravam-se agrupados em monarquias. Todavia, a evolução para regimes mais democráticos ou pelo menos mais liberais não dissimula a fragilidade interna dos diversos estados.(12)
Na viragem do século XIX para o século XX, o termo nacionalismo adquire um sentido muito importante. Por outro lado, assiste-se a uma intensificação do imperialismo, como poderá ser verificado na primeira parte desta recensão. Desta feita, as grandes potências europeias dominam o mundo em termos políticos, económicos e até culturais. Assim sendo, o imperialismo europeu e Norte-Americano estende-se da África à Ásia e ao Extremo-Oriente.
As rivalidades acentuam-se. A Alemanha e a Grã-Bretanha lutam pela hegemonia industrial enquanto a França e a Itália disputam a hegemonia colonial.
Na presente cronologia, a Península Balcânica (composta por sérvios, bósnios, croatas e eslovenos), encontra-se dominada pelo Império Austro-Húngaro e pelo Império Turco. De facto, os Balcãs tornam-se numa zona de permanente conflito. A Alemanha, por sua vez, só se constitui como estado em 1871, para tal muito contribuiu a união aduaneira – Zollverein. Em torno do estado alemão formava-se um nacionalismo exacerbado conduzindo, inevitavelmente, ao pan-germanismo.
No caso da Itália, a sua unificação só fica concluída a partir de 1870, data em que se intensificam os sentimentos nacionalistas e ocorre a sua expansão para o mediterrâneo.
No que concerne ao Império Otomano, outrora tão homogéneo, continua a desmoronar-se.
Relativamente ao México ocorre a primeira das grandes revoluções no mundo colonial.
No caso da Turquia, evidencia-se uma franca expansão ao longo de novos territórios. Tal como o autor salienta “...a revolução turca talvez haja inaugurado o primeiro dos regimes modernizadores do Terceiro Mundo: apaixonadamente comprometido com o progresso e o esclarecimento contra a tradição, com o «desenvolvimento» e uma espécie de populismo não perturbado pelo debate liberal...”(13)
De certo modo, e relembrando as considerações feitas por Hobsbawm, a Rússia czarista representa uma verdadeira contradição num contexto de império à escala global.
O final da servidão dera aos nobres razões para abandonarem um campesiato em vias de proletarização. Com efeito, assiste-se ao aparecimento de coligações de opositores relativamente ao estado.
Denota-se um significativo empenho da população (14) nesses movimentos revolucionários. Evidencia-se uma certa incapacidade ou falta de vontade por parte do estado no sentido de conter as dissidências ocorridas.
A revolução de 1905 encontra-se dependente da expansão imperial para o continente asiático e pela derrota face ao Japão. Sobremaneira, verifica-se uma certa vulnerabilidade do estado czarista perante as exigências do operariado.
A greve geral, acaba por representar a principal arma reivindicativa e por identificar os principais opositores ao governo (bolcheviques, mencheviques e socialistas revolucionários). Na sequência do Domingo Sangrento, ocorrem várias contestações conduzindo à formação de uma Assembleia Consultiva (Duma).
Apesar das mutações ocorridas no Império Russo, na verdade, trata-se apenas dos primórdios de um movimento que culminará na revolução de 1917.
Ao longo desta exposição a única certeza que restou foi que incerteza acaba por conduzir os rumos da própria história. Aliás, como Hobsbawm refere “... a única coisa certa acerca do futuro é de que a todos surpreenderá, até aqueles que mais hajam avançado no caminho que ele a conduz...”(15)
Depois da análise global efectuada a esta obra, e em traços gerais, podemos apreciar a Era do Império como sendo o culminar de um conjunto de acontecimentos que se interligam no tempo e no espaço abrangido quer por esta, quer por todas as outras obras de Hobsbawm. Aliás, torna-se pertinente efectuar um estudo pormenorizado para se constatar a tal continuidade da história que o autor tanto defende. De uma forma genérica, o autor demonstra uma clareza de ideias na construção do passado e uma precisão factícia impressionante, o que inebria insistentemente a leitura de qualquer uma das suas obras, incentivando e estimulando o estudo da presente cronologia.
Com efeito, trata-se de uma exposição que coloca em debate um conjunto de dados que conferem um sentido de heterogeneidade à aparente homogeneidade, ou seja, a unidade cede perante a diversidade dos factos. Deste modo, talvez se torne pertinente referir a importância que a indagação assume. Esta, por sua vez, acaba por se afigurar como algo mais credível do que a própria representatividade unívoca dos aspectos tratados.
Na verdade, uma sólida consolidação da classe burguesa só ocorre no século XIX. Neste sentido, assiste-se à afirmação de um conjunto de valores que tanto reflectem o seguimento das ideias liberais como assinalam a preservação de uma atitude social de tipo conservador. De facto, o referido grupo oscila entre um espírito de austeridade que visa a manutenção de uma riqueza transmitida ao longo de gerações e o desfrutar de um novo estilo de vida. De forma a manter o seu novo status social, investe em novas residências urbanas onde se distingue um maior conforto.
Para tal, muito contribuiu a acção de uma extensa criadagem. Esta, por sua vez, possibilitou uma maior autonomia do sexo feminino. No plano público, destacam-se as reuniões em grandes salões e a prática crescente de desportos colectivos.(2)
Após uma breve apresentação dos aspectos identificadores da burguesia deste período, verifica-se uma enorme dificuldade em distinguir um grupo de natureza heterogénea.
Se na Europa do Norte e Noroeste, a classe média acompanha e acelera o movimento capitalista, da chamada «Belle Époque», pelo contrário, na Europa do Leste e na Europa Mediterrânica exprime-se a permanência das estruturas do Antigo Regime. Todavia, e mesmo no seio de uma Europa economicamente mais desenvolvida prevalece a ruptura face à possibilidade de unificação. Sobremaneira, e não obstante uma certa abertura assente no factor financeiro, na realidade assiste-se a uma subdivisão onde os vários estádios de riqueza conduzem a um encerramento e hostilidade entre os seus membros. Genericamente, a Alta Burguesia é composta por uma fracção bastante rica de banqueiros, donos de manufacturas e homens da política que souberam aproveitar a fortuna familiar. A média burguesia corresponde, essencialmente, figuras ligados ao funcionalismo público e ao pequeno e médio comércio que encaram a Educação, como uma forma de penetração na Alta Middle Class. Por último, a Baixa Burguesia enquadra um grupo cujo poder financeiro não se demarca muito relativamente ao do operariado.(3) Contudo, o seu estatuto social valia por si só.
No seio de uma realidade tão ambígua é importante realçar o papel da educação enquanto elemento indispensável à ascensão dentro da própria classe, ou seja, à formação de um gentleman. Com efeito, “...a educação representa em certo sentido a competição individualista, a carreira aberta ao talento e o triunfo do mérito sobre o nascimento e sobre o favoritismo de uma forma quase tão efectiva como a actividade financeira...”(4)
Talvez a grande conquista da mulher do século XIX represente uma maior capacidade de controlo da fertilidade. No seio de uma sociedade que preserva o factor educacional, a garantia de uma família restrita afigura-se como um elemento indispensável à sua formação. Todavia, e uma vez mais, o autor alerta para o facto de se tratar apenas de uma minoria representante de alguma mudança significativa. Desta feita, a excepção apresenta um número muito íntimo numa sociedade onde “...a condição da maioria das mulheres das classes trabalhadoras pouco se alterava...”(5)
Embora aumentasse o número de actividades de tipo doméstico, na verdade, não dissipam a importância do papel masculino face à economia familiar.
De facto, as alterações mais visíveis ocorrem em torno da mulher burguesa. Não obstante as críticas por parte da fracção mais conservadora, a mulher da classe média acaba por traçar o seu caminho procurando uma certa libertação relativamente aos preconceitos anteriores. Com efeito, intensifica o número de novos empregos, sobretudo ligados ao consumismo feminino. Através da própria roupa, a mulher pretende emancipar-se visando uma ruptura com a ordem instituída.(6) As mulheres cultas e reivindicativas, procuram não só adquirir mais direitos de ordem económica, como de natureza política. Geralmente, as petições sufragistas surgem associadas a ideologias de cariz revolucionário, tal como o socialismo. Contudo, o seu impacto à escala global confinar-se-ia à Grã-Bretanha e aos E.U.A.
À parte de figuras notáveis como Rosa Luxemburgo, Madame Curie ou Beatrice Webb, o percurso da mulher comum continua dependente de uma estrutura tradicionalmente mais conservadora.
“...Poucas sociedades valorizaram mais as obras do génio criador [...]. Poucas estiveram tão prontas como ela a despender tanto dinheiro com as artes e, em termos puramente quantitativos, nenhuma sociedade anterior comprara quantidades comparáveis de livros velhos e novos, de objectos materiais, quadros, esculturas, peças esculpidas de alvenaria e bilhetes para espectáculos teatrais ou musicais [...]. Acima de tudo e paradoxalmente, poucas sociedades estiveram tão convencidas como esta de que viviam numa idade de ouro da criação artística.”.(7)
Aparentemente tudo leva a crer que a sociedade em questão, à mercê de uma melhoria do nível de vida, de um aumento dos tempos livres e de um maior acesso à instrução, conheceu uma verdadeira revolução artística.
Para além de qualquer certeza paira a dúvida em torno de um temática que não é mais do que um jogo de contradições. Trata-se de um período que reúne em si as bases de uma arte que só se consolidará no período do pós-guerra.
Com efeito, apresenta-se como um ponto de união entre o imanente e o transcendente, ou seja, entre a realidade e o imaginário. Deste modo, a dualidade separa o espaço da objectividade do espaço da subjectividade. A «art noveau» pretende conciliar a tradição com a necessidade de inovação acabando por confundir o contemporâneo com o moderno.
Não obstante as grandes imprecisões relativamente ao objecto, método, sujeito e público, as várias influências culturais acabam por sem exprimir sob a forma de indefinição artística. Numa época de grande euforia económica, o capitalismo investe sobre objectos de arte, muitas vezes, incompreendidos.
Em oposição à cultura elitista burguesa da «Belle Époque», começa a desenvolver-se uma cultura de massas indispensável para a formação da opinião pública.(8)
A imprensa conhece um desenvolvimento imparável. Desta feita, são divulgados em número sempre crescente, jornais, revistas, romances – folhetins, contos, publicidade, romances policiais, romances «cor-de-rosa» e banda desenhada. Por outro lado, continua a difundir-se a fotografia, a música e a dança.
O cinema, por sua vez, deixa de ser considerado como um divertimento da classe média, tornando-se numa verdadeira indústria artística, conferindo a Hollywood o lugar do estrelato.
No sentido de desorientar ainda mais o público, difunde-se uma arte anti-burguesa, anti-convencional, afirmando-se como uma “voz revolucionária” que rompe com o fin du siécle.
O século XIX é marcado por uma forte crença nos poderes da razão. As sociedades europeias acreditavam nas potencialidades do positivismo. Com efeito, o cientificismo afigurava-se como o caminho que conduziria ao progresso. Deste modo, e graças a um contínuo investimento, desenvolveram-se importantes estudos no âmbito da matemática. Relativamente à física, assiste-se a uma intensificação dos estudos sobre o electromagnetismo. No que concerne à química “... a sua expansão foi espectacular, particularmente na Alemanha, devido em grande parte à multiplicidade das suas aplicações industriais: do campo das tintas, dos corantes e dos fertilizantes aos produtos farmacêuticos e dos explosivos...”(9) De facto, era bastante significativo o número de cientistas que trabalhavam sobre os vários processos inerentes a esta área de investigação.
No que se relaciona à biologia destacam-se sobretudo investimentos na área da bacteriologia e da imunologia.
Não desprezando os avanços científicos enunciados, devemos ter presente o facto da maior parte das teorias não passarem de hipóteses que nunca chegaram a leis.
A par de uma certa continuidade e descontinuidade, multiplicam-se e contradizem-se as várias suposições. Desta feita, o sentido de rigidez absoluta cede perante a noção de relatividade científica.
Tendo por base a exposição de Hobsbawm, conclui-se que o processo científico não ocorre de forma linear. Sobremaneira, difunde-se sobretudo nas regiões correspondentes à Europa Central e à Europa do Norte.
As novas correntes de intelectualidade fundadas pela força do racionalismo, provocam uma crise de consciência entre os valores preconizados pela nova sociedade e os valores tradicionais do catolicismo. De certo modo, consolida-se um novo ateísmo por parte das classes médias. Citando, uma vez o autor, “...para a maioria dos países da Europa, progresso e secularização caminhavam a par...”(10)
Embora houvesse um afrouxamento perante a religiosidade, na realidade não podemos falar de um anticlericalismo global.(11)
No que diz respeito às Ciências Sociais e Humanas conheceram também um significativo avanço.
A psicologia, mais concretamente o método da psicanálise desenvolvido por Sigmund Freud, revela uma importante revolução no estudo da mente humana.
Por outro lado, a sociologia preocupa-se com a evolução histórica de todas as sociedades, alertando para a inevitabilidade de um conflito armado à escala mundial. Neste sentido, a própria antropologia social atesta o sentimento de racismo existente entre os povos.
De certo modo, a única teoria social ainda aceite por economistas, historiadores e sociólogos foi elaborada por Karl Marx. Trata-se de uma ideologia que assenta no materialismo histórico, analisando as forças produtivas, o modo de produção e as relações de produção. Assim sendo, a infra-estrutura condiciona a super-estrutura jurídica. Segunda Marx, a história do século XIX estava dominada pela oposição entre a burguesia e o operariado. Como tal, o elemento de transformação da sociedade assentava na luta de classes, anunciando os prelúdios da Revolução Russa.
Genericamente, e à excepção da República Francesa, todos os estados europeus encontravam-se agrupados em monarquias. Todavia, a evolução para regimes mais democráticos ou pelo menos mais liberais não dissimula a fragilidade interna dos diversos estados.(12)
Na viragem do século XIX para o século XX, o termo nacionalismo adquire um sentido muito importante. Por outro lado, assiste-se a uma intensificação do imperialismo, como poderá ser verificado na primeira parte desta recensão. Desta feita, as grandes potências europeias dominam o mundo em termos políticos, económicos e até culturais. Assim sendo, o imperialismo europeu e Norte-Americano estende-se da África à Ásia e ao Extremo-Oriente.
As rivalidades acentuam-se. A Alemanha e a Grã-Bretanha lutam pela hegemonia industrial enquanto a França e a Itália disputam a hegemonia colonial.
Na presente cronologia, a Península Balcânica (composta por sérvios, bósnios, croatas e eslovenos), encontra-se dominada pelo Império Austro-Húngaro e pelo Império Turco. De facto, os Balcãs tornam-se numa zona de permanente conflito. A Alemanha, por sua vez, só se constitui como estado em 1871, para tal muito contribuiu a união aduaneira – Zollverein. Em torno do estado alemão formava-se um nacionalismo exacerbado conduzindo, inevitavelmente, ao pan-germanismo.
No caso da Itália, a sua unificação só fica concluída a partir de 1870, data em que se intensificam os sentimentos nacionalistas e ocorre a sua expansão para o mediterrâneo.
No que concerne ao Império Otomano, outrora tão homogéneo, continua a desmoronar-se.
Relativamente ao México ocorre a primeira das grandes revoluções no mundo colonial.
No caso da Turquia, evidencia-se uma franca expansão ao longo de novos territórios. Tal como o autor salienta “...a revolução turca talvez haja inaugurado o primeiro dos regimes modernizadores do Terceiro Mundo: apaixonadamente comprometido com o progresso e o esclarecimento contra a tradição, com o «desenvolvimento» e uma espécie de populismo não perturbado pelo debate liberal...”(13)
De certo modo, e relembrando as considerações feitas por Hobsbawm, a Rússia czarista representa uma verdadeira contradição num contexto de império à escala global.
O final da servidão dera aos nobres razões para abandonarem um campesiato em vias de proletarização. Com efeito, assiste-se ao aparecimento de coligações de opositores relativamente ao estado.
Denota-se um significativo empenho da população (14) nesses movimentos revolucionários. Evidencia-se uma certa incapacidade ou falta de vontade por parte do estado no sentido de conter as dissidências ocorridas.
A revolução de 1905 encontra-se dependente da expansão imperial para o continente asiático e pela derrota face ao Japão. Sobremaneira, verifica-se uma certa vulnerabilidade do estado czarista perante as exigências do operariado.
A greve geral, acaba por representar a principal arma reivindicativa e por identificar os principais opositores ao governo (bolcheviques, mencheviques e socialistas revolucionários). Na sequência do Domingo Sangrento, ocorrem várias contestações conduzindo à formação de uma Assembleia Consultiva (Duma).
Apesar das mutações ocorridas no Império Russo, na verdade, trata-se apenas dos primórdios de um movimento que culminará na revolução de 1917.
Ao longo desta exposição a única certeza que restou foi que incerteza acaba por conduzir os rumos da própria história. Aliás, como Hobsbawm refere “... a única coisa certa acerca do futuro é de que a todos surpreenderá, até aqueles que mais hajam avançado no caminho que ele a conduz...”(15)
Depois da análise global efectuada a esta obra, e em traços gerais, podemos apreciar a Era do Império como sendo o culminar de um conjunto de acontecimentos que se interligam no tempo e no espaço abrangido quer por esta, quer por todas as outras obras de Hobsbawm. Aliás, torna-se pertinente efectuar um estudo pormenorizado para se constatar a tal continuidade da história que o autor tanto defende. De uma forma genérica, o autor demonstra uma clareza de ideias na construção do passado e uma precisão factícia impressionante, o que inebria insistentemente a leitura de qualquer uma das suas obras, incentivando e estimulando o estudo da presente cronologia.
(1) HOBSBAWM, E. J., A Era do Império (1875-1914), Lisboa, Editorial Presença, 1990, pág. 339.
(2) Entre os principais desportos praticados pela burguesia destaca-se a caça, a esgrima, o hipismo e o golfe. No que concerne aos espectáculos públicos deve-se enunciar a importância da ópera e do teatro. Assiste-se ainda a uma intensificação de viagens a praias e termas.
(3) Parafraseando HOBSBAWM, E. J., in Histoire Économique et sociale de la grande Bretagne – Tome 2 De La Révolution Industrielle à nos jours, Paris, Éditions du Seuil, 1968/1969, pág. 77. « ...la classe moyenne prospère et ceux qui aspiraient à y entrer étaient satisfaits. Ce n’était pas les cas des pauvres – la majorité don la révolution industrielle avait détruit le monde traditionnel et le monde de vie sans leur apporter automatiquement quelque chose en retour... ».
(4) HOBSBAWM, E. J., A Era das Revoluções, pp. 260-261.
(5) HOBSBAWM, E. J., A Era do Império, Obr. Cit., pág. 243.
(6) A vida nocturna começa a fazer parte dos seus hábitos. Assim sendo, a mulher da classe média passa a usar uma roupa mais leve e desportiva. Como tal, as saias surgem pelo joelho, os vestidos caindo a direito e o soutien substitui o espartilho.
(7) HOBSBAWM, E. J., A Era do Capital (1848-1875), Lisboa, Editorial Presença, 1975, pág. 373.
(8) Esta deixa de estar apenas confinada à taberna, ao café ou ao bordel.
(9) HOBSBAWM, E. J., A Era do Capital (1848-1875), Obr. Cit., pp. 341-342.
(10) HOBSBAWM, E. J., A Era do Império, Obr. Cit., pág. 331.
(11) De acordo com o autor, in Words of Labour – Further in the History of Labour, Great Britain, 1984, “...The declive in religious practice should not be confused with formal conversion to unbelief, which always remained a minority phenomenon confined mainly to the political left for which it was a symbol of commitment.”, pág. 37.
(12) A Alemanha é constituída por um regime composto por prerrogativas monarco-imperiais. No entanto, dispõe de um parlamento, eleito por sufrágio universal – o Reichtag. No caso da Áustria-Hungria encontra-se formado por um estado centralizador e burocrático. Embora contra a sua vontade, o imperador é forçado a instituir um parlamento. Na Rússia vigora uma autocracia, confirmando a importância da oligarquia aristocrática. De forma a evitar a expansão das ideias revolucionárias, é eleita uma assembleia – a Dieta.
No que se relaciona aos E.U.A., mantém um certo isolacionismo perante os outros países. A sua esfera de acção centra-se no continente americano. O Japão obtém a Coreia e a Formosa (cedidos pela China) e parte da Manchúria (conquistada à Rússia).
(13) HOBSBAWM, E. J., A Era do Império (1875-1914), Obr. Cit., pág. 354.
(14) Enunciando uma vez mais o autor, na sua obra A Era do Capital, “... o populismo é significativo não pelas suas realizações que poucas foram, nem pelo número de pessoas que mobilizou, que pouco ultrapassou os escassos milhares. O seu significado reside no facto de que assinala na Rússia o início de uma era de agitação contínua, que derrubaria cinquenta anos mais tarde o czarismo e instalaria o primeiro regime da história mundial dedicado à construção do socialismo...”, pág. 222.
(15) HOBSBAWM, E. J., A Era do Império (1875-1914), Obr. Cit., pág. 420.
(2) Entre os principais desportos praticados pela burguesia destaca-se a caça, a esgrima, o hipismo e o golfe. No que concerne aos espectáculos públicos deve-se enunciar a importância da ópera e do teatro. Assiste-se ainda a uma intensificação de viagens a praias e termas.
(3) Parafraseando HOBSBAWM, E. J., in Histoire Économique et sociale de la grande Bretagne – Tome 2 De La Révolution Industrielle à nos jours, Paris, Éditions du Seuil, 1968/1969, pág. 77. « ...la classe moyenne prospère et ceux qui aspiraient à y entrer étaient satisfaits. Ce n’était pas les cas des pauvres – la majorité don la révolution industrielle avait détruit le monde traditionnel et le monde de vie sans leur apporter automatiquement quelque chose en retour... ».
(4) HOBSBAWM, E. J., A Era das Revoluções, pp. 260-261.
(5) HOBSBAWM, E. J., A Era do Império, Obr. Cit., pág. 243.
(6) A vida nocturna começa a fazer parte dos seus hábitos. Assim sendo, a mulher da classe média passa a usar uma roupa mais leve e desportiva. Como tal, as saias surgem pelo joelho, os vestidos caindo a direito e o soutien substitui o espartilho.
(7) HOBSBAWM, E. J., A Era do Capital (1848-1875), Lisboa, Editorial Presença, 1975, pág. 373.
(8) Esta deixa de estar apenas confinada à taberna, ao café ou ao bordel.
(9) HOBSBAWM, E. J., A Era do Capital (1848-1875), Obr. Cit., pp. 341-342.
(10) HOBSBAWM, E. J., A Era do Império, Obr. Cit., pág. 331.
(11) De acordo com o autor, in Words of Labour – Further in the History of Labour, Great Britain, 1984, “...The declive in religious practice should not be confused with formal conversion to unbelief, which always remained a minority phenomenon confined mainly to the political left for which it was a symbol of commitment.”, pág. 37.
(12) A Alemanha é constituída por um regime composto por prerrogativas monarco-imperiais. No entanto, dispõe de um parlamento, eleito por sufrágio universal – o Reichtag. No caso da Áustria-Hungria encontra-se formado por um estado centralizador e burocrático. Embora contra a sua vontade, o imperador é forçado a instituir um parlamento. Na Rússia vigora uma autocracia, confirmando a importância da oligarquia aristocrática. De forma a evitar a expansão das ideias revolucionárias, é eleita uma assembleia – a Dieta.
No que se relaciona aos E.U.A., mantém um certo isolacionismo perante os outros países. A sua esfera de acção centra-se no continente americano. O Japão obtém a Coreia e a Formosa (cedidos pela China) e parte da Manchúria (conquistada à Rússia).
(13) HOBSBAWM, E. J., A Era do Império (1875-1914), Obr. Cit., pág. 354.
(14) Enunciando uma vez mais o autor, na sua obra A Era do Capital, “... o populismo é significativo não pelas suas realizações que poucas foram, nem pelo número de pessoas que mobilizou, que pouco ultrapassou os escassos milhares. O seu significado reside no facto de que assinala na Rússia o início de uma era de agitação contínua, que derrubaria cinquenta anos mais tarde o czarismo e instalaria o primeiro regime da história mundial dedicado à construção do socialismo...”, pág. 222.
(15) HOBSBAWM, E. J., A Era do Império (1875-1914), Obr. Cit., pág. 420.
BIBLIOGRAFIA
HOBSBAWM, E. J., A Era das Revoluções (1789-1848), Lisboa, Editorial Presença, 1962.
,A Era do Capital (1848-1875), Lisboa, Editorial Presença, 1975.
,Words of Labour – Further in the History of Labour, Great Britain, 1984
,Histoire Économique et sociale de la grande Bretagne – Tome 2 De La Révolution Industrielle à nos jours, Paris, Éditions du Seuil, 1968/1969
,A Era do Capital (1848-1875), Lisboa, Editorial Presença, 1975.
,Words of Labour – Further in the History of Labour, Great Britain, 1984
,Histoire Économique et sociale de la grande Bretagne – Tome 2 De La Révolution Industrielle à nos jours, Paris, Éditions du Seuil, 1968/1969