BROWN, Peter, A Ascensão do Cristianismo no Ocidente, direc. de Jacques Le Goff, Colec. Construir a Europa, trad. de Eduardo Nogueira, rev. por Saul Barata, 1ª ed., Lisboa, Editorial Presença, 1999, vol. de 21x14 cm e 365 pp.
Marco Monteiro, Historiador
Peter Brown, de origem irlandesa, grande especialista em Teologia e autor de inúmeras obras de investigação no âmbito desta ciência, evidencia-se desta feita, sob a direcção do tão conceituado quão prestigiado historiador Jaques Le Goff, numa obra que tem por objectivo elucidar os leitores sobre a evolução e desenvolvimento do cristianismo desde a sua incursão no oriente até à cristianização da Europa Ocidental. Dividido em três partes, o autor tenta deste modo elaborar um estudo sobre o cristianismo desde o final da Antiguidade e também nos inícios da Idade Média por forma a demonstrar ao leitor as várias posições adoptadas pelo cristianismo e a forma como este se adaptava a diversas situações, algumas das quais bastante complicadas.
Assim, numa primeira parte intitulada de “O império e as Suas Consequências, 200-500 d.C.”, Brown relata-nos a já conhecida história do Império Romano a Oriente, nomeadamente as suas crises e tentativas de recuperação deste império tão vasto e da necessidade de um maior controlo e responsabilidade assumidas pelo imperador, anteriormente atribuídas a determinados grupos locais. Por outro lado, no ocidente europeu assistimos a uma lenta, mas significativa progressão de um mundo bárbaro que merecerá uma certa precaução por parte do Império Romano. No que concerne ao Cristianismo, é precisamente a oriente que incidem nesta altura as suas maiores dificuldades. Por volta de 312, o Cristianismo já não era uma religião nova e apresentava-se claramente em oposição ao paganismo. Esta posição da igreja cristã leva à criação de inúmeros éditos por parte do Imperador Diocleciano, iniciando-se deste modo uma clara perseguição ao Cristianismo. Bispos, Diáconos e padres cristãos foram severamente atacados, sendo também destruídas todas as escrituras cristãs assim como as suas próprias igrejas. Destruir os locais de veneração cristã, era um claro sinal de que era necessário fazer parar esta instituição que aos poucos se tornava extremamente forte e ameaçadora.
Assim, numa primeira parte intitulada de “O império e as Suas Consequências, 200-500 d.C.”, Brown relata-nos a já conhecida história do Império Romano a Oriente, nomeadamente as suas crises e tentativas de recuperação deste império tão vasto e da necessidade de um maior controlo e responsabilidade assumidas pelo imperador, anteriormente atribuídas a determinados grupos locais. Por outro lado, no ocidente europeu assistimos a uma lenta, mas significativa progressão de um mundo bárbaro que merecerá uma certa precaução por parte do Império Romano. No que concerne ao Cristianismo, é precisamente a oriente que incidem nesta altura as suas maiores dificuldades. Por volta de 312, o Cristianismo já não era uma religião nova e apresentava-se claramente em oposição ao paganismo. Esta posição da igreja cristã leva à criação de inúmeros éditos por parte do Imperador Diocleciano, iniciando-se deste modo uma clara perseguição ao Cristianismo. Bispos, Diáconos e padres cristãos foram severamente atacados, sendo também destruídas todas as escrituras cristãs assim como as suas próprias igrejas. Destruir os locais de veneração cristã, era um claro sinal de que era necessário fazer parar esta instituição que aos poucos se tornava extremamente forte e ameaçadora.
No entanto, a chegada do Imperador Constantino permitiu aos cristãos um tempo de paz e prosperidade da igreja cristã. O sinal enviado pelo Deus cristão a Constantino e que, segundo este, terá sido a fonte do seu êxito na batalha junto da ponte Múlvia, possibilitou que os cristãos passassem a ser tolerados dentro do Império Romano. No século III, a Igreja cristã assemelhava-se já a um pequeno império em que todos se encontravam como iguais, precisamente porque todos dependiam das leis de um só deus.
Os deuses pagãos não eram negados pelos cristãos, mas simplesmente considerados como maus, indignos de confiança. Deste modo, o politeísmo existia simplesmente para negar a existência do Deus Cristão, o verdadeiro deus.
Com o passar dos tempos, a incrível transformação da Igreja cristã é notável nos finais do século III, demonstrando agora a grande força e coesão das suas instituições. Era vista como uma instituição capaz de cuidar dos mais desfavorecidos, controlando a riqueza através de um processo religioso de pecado e de penitência.
No Ocidente, as guerras civis dos finais do século IV levam a um enfraquecimento das zonas fronteiriças. A comunidade pagã começa agora a falar de «tempos cristãos», associando esta expressão às novas incursões bárbaras nas províncias ocidentais do Império Romano. Tornava-se muito difícil aceitar que os bárbaros eram cada vez mais parte integrante do sistema. Deste modo, era necessário que fossem leais ao estado romano sendo adoptados como soldados do imperador, usufruindo os mesmo direitos de que os soldados romanos dispunham. As cidades do ocidente encontravam neste momento a sua estabilidade nos bispos cristãos. A partir deste momento a Igreja local passa a ser o ponto de fixação e estabilidade das populações. As magníficas construções da Igreja demonstram a determinação de cada cidade e a capacidade de sobrevivência de cada comunidade, levando inclusive a uma competição entre vários bispos na construção de esplêndidas basílicas. Para além dos bispos, também os próprios santos eram patronos, pois eram considerados como poderosos. De entre todas estas demonstrações de liderança, nenhuma foi mais significativa do que a aristocratização da Igreja na Gália, colocando as cidades sob o poder de homens que exerciam o seu poder à maneira romana. Em todo o caso, a participação do Bispo de Roma era crucial para a estabilidade e manutenção do poder que, nesta altura, se encontrava em constante ameaça entre as igrejas do mediterrâneo oriental.
Se o clero cristão assumira um papel tão representativo na Gália, o mesmo não podemos dizer quando falamos de Inglaterra em que o estabelecimento do Cristianismo fora muito menos sólido e em que os bispos da Britânia eram acusados de pelagianismo. Desta feita, o poder de Inglaterra acabara por cair nas mãos de guerreiros, passando a ser dominada por tiranos em vez de bispos. Um Cristianismo comum que conseguisse incluir cristãos e bárbaros ao mesmo tempo só foi possível quando as características fronteiriças se alteraram, o que aconteceu precisamente na fronteira noroeste da Britânia. No entanto, ao longo da costa leste da Irlanda as Igrejas continuaram a ser uma raridade, demonstrando novamente o Cristianismo como uma religião minoritária, não sendo, contudo fruto de perseguições.
Na segunda parte da sua obra, “Heranças Divergentes, 500-750 d.C.”, verificamos que a Igreja Católica no século VI aparece em todo o Mediterrâneo como sendo “...a única religião pública do mundo romano.” (1) Contudo, a prática pagã parecia ainda não ter terminado mesmo nos corações dos cristãos baptizados. As «tradições pagãs» teimavam em reaparecer, merecendo desta forma o repúdio da Igreja cristã. O Bispo de Arles, Cesário, apresentava o paganismo como fruto de «tradições fragmentárias», de «hábitos sacrílegos» e «imundícies dos gentios» e que os próprios crentes traziam para dentro das igrejas. Cesário pregava autênticos sermões a todos aqueles que cediam a estas práticas condenadas pela Igreja e considerava-as como “falta de educação”. Mais tarde, as comunidades pagãs acabaram por aceitar os símbolos e os ritos cristãos e o Cristianismo passa desta forma a dar o seu contributo aos ritos mais fundamentais. Um dos aspectos considerados mais importantes para a eliminação deste comportamento pagão era a devoção pelos santos que se tornava muitas vezes mais eficiente do que o próprio padre. Gregório de Tours, Bispo de Tours entre 573 e 594, defendia precisamente esta opinião.
À medida que as invasões bárbaras avançam, um novo reino começa a prosperar na Gália – o reino dos Francos. Dentro deste novo sistema, os bispos tornam-se extremamente altivos e cada um deles representava, na sua região, a própria lei e a manutenção da ordem citadina. Muitos deles acumularam enormes riquezas que revertiam a favor das magníficas basílicas, com os seus altares repletos de ouro e que despendiam para a manutenção de toda a comunidade. Por outro lado, os santos assumiam um papel de guardiões da comunidade e eram representados pelos respectivos bispos na terra. Deste modo, a Igreja tornara-se a melhor forma de aceder ao poder e de adquirir determinado prestígio social, uma vez que também o bispo representava o imperador na sua região. Apesar de toda a comunidade cristã se redimir dos seus pecados através da devoção aos santos e do acto de esmola, cerca de 600 estes actos considerados benévolos já não eram suficientes. Agora, a melhor maneira de chegar a Deus somente era conseguida entrando para um mosteiro e passando por um processo de penitência constante que deixaria a alma limpa de todos os pecados cometidos.
Numa altura em que as invasões se tornavam incessantes, o mundo cristão enfrenta no século VII/VIII uma nova realidade, a prosperidade de um novo reino que agora substituía a própria Roma – o Reino dos Árabes. Para os cristãos, o Islame seria apenas «uma nova heresia enganadora». Porém, dentro dos territórios pertencentes ao novo reino, os cristãos submeteram-se ao pagamento de um imposto, por forma a não enfrentarem a submissão ao Islame.
Passando os olhos pelo mundo do norte, a Britânia saxónica assemelha-se agora ao Norte da Gália, onde os aristocratas se tornavam monges ou patronos dos mosteiros, incentivando as suas gentes à ordem cristã.
Finalmente, na terceira parte da obra de Peter Brown, “O Fim do Mundo Antigo, 750-1000 d.C.”, o tão vasto e forte Império mundial da Roma do Oriente já não existe e aquilo que agora encontramos não passa senão de um simples Estado enfraquecido. Um novo sistema político substitui agora a antiga grandeza do Império Romano do Oriente – o Império Bizantino. Associado a este novo sistema político, surge também uma nova controvérsia religiosa, nomeadamente, a veneração das imagens pintadas dos santos, de Cristo e de Nossa Senhora. Os chamados iconoclastas (destruidores de imagens), contestavam a criação destas imagens e consideravam-nas como práticas pagãs. Esta controvérsia iconoclasta subsistiu durante largos tempos e lutou com todas as armas de que dispunha para combater a não veneração de imagens que provocavam a ira de Deus.
Já no reinado de Carlos Magno e também dos seus sucessores, a aliança entre uma Igreja e um sistema essencialmente novos, caracteriza desta forma um novo Cristianismo no Ocidente, baseados na persuasão das comunidades da Europa Ocidental, de modo a atingirem os seus objectivos. Apesar das leis locais prevalecerem em cada região, para Carlos Magno só a lei cristã era a verdadeira lei do seu império em matérias religiosas recrutando os clérigos e monges mais notáveis para conseguir manter coesa a ordem cristã.
Viajando até aos países nórdicos, verificamos que estas comunidades preferiram adoptar o cristianismo dentro dos seus próprios termos, aceitando o cristianismo de Bizâncio após um minucioso estudo do catolicismo ocidental e também do islamismo efectuado pelos seus observadores. Assim, o Cristianismo espalhou-se por todos os recantos do Atlântico Norte.
No fundo, um dos objectivos do Cristianismo fora alcançado, pois o mundo nesta altura já não é um mundo pagão. Agora, através do conhecimento superior da Lei Cristã, o objectivo centra-se essencialmente em controlar um mundo que se mantivera profundamente profano, por forma a que o mundo dos leigos «cristãos» atinja a sua salvação.
Tendo em conta a importância que o Cristianismo demonstrou possuir desde as suas origens, quer a nível religioso como também a nível político, esta obra torna-se indispensável para a compreensão em traços gerais do desenvolvimento desta religião, as suas consequências no desenrolar da história dos vários impérios que se ergueram desde os fins da antiguidade até aos inícios da Idade Média e ainda para a compreensão de algumas situações que hoje vigoram na Igreja.
Alguns reparos, porém, nos merece este livro, embora o autor fizesse questão de enunciar alguns deles no seu prefácio. Começando pelo título da obra, antevemos uma maior centralização em torno do Ocidente, o que não sucede uma vez que o autor muitas vezes dispersa-se pelo Oriente com o intuito de uma melhor compreensão por parte do leitor, de como surgiram determinadas situações que levaram à respectiva ascensão do Cristianismo no Ocidente. No entanto, de acordo com a vasta matéria tratada na obra e pela imensidão geográfica referida, torna-se susceptível que o leitor a dada altura se perca um pouco do assunto central. Em vez de uma obra maioritariamente destinada ao cristianismo, deparamo-nos com uma história quase geral do império romano, as suas crises, a sua decadência, o surgimento de novos impérios relatados de uma forma por vezes exaustiva e maçadora para um simples leitor. A ausência de notas de rodapé é, no entanto compensada pela completa bibliografia no final da obra, assim como a preciosa ajuda de um índice remissivo e de uma valiosa cronologia. A Ascensão do Cristianismo no Ocidente, de Peter Brown, demonstra deste modo uma nova forma de abordar a história do cristianismo, desde as suas origens a Oriente até à sua chegada ao Ocidente Europeu, divergindo assim, das inúmeras obras já existentes sobre esta matéria.
(1) In A Ascensão do Cristianismo no Ocidente, “Heranças Divergentes, 500-750 d.C (Reverentia, Rusticitas: De Cesário de Arles a Gregório de Tours)”, pág. 113.
Os deuses pagãos não eram negados pelos cristãos, mas simplesmente considerados como maus, indignos de confiança. Deste modo, o politeísmo existia simplesmente para negar a existência do Deus Cristão, o verdadeiro deus.
Com o passar dos tempos, a incrível transformação da Igreja cristã é notável nos finais do século III, demonstrando agora a grande força e coesão das suas instituições. Era vista como uma instituição capaz de cuidar dos mais desfavorecidos, controlando a riqueza através de um processo religioso de pecado e de penitência.
No Ocidente, as guerras civis dos finais do século IV levam a um enfraquecimento das zonas fronteiriças. A comunidade pagã começa agora a falar de «tempos cristãos», associando esta expressão às novas incursões bárbaras nas províncias ocidentais do Império Romano. Tornava-se muito difícil aceitar que os bárbaros eram cada vez mais parte integrante do sistema. Deste modo, era necessário que fossem leais ao estado romano sendo adoptados como soldados do imperador, usufruindo os mesmo direitos de que os soldados romanos dispunham. As cidades do ocidente encontravam neste momento a sua estabilidade nos bispos cristãos. A partir deste momento a Igreja local passa a ser o ponto de fixação e estabilidade das populações. As magníficas construções da Igreja demonstram a determinação de cada cidade e a capacidade de sobrevivência de cada comunidade, levando inclusive a uma competição entre vários bispos na construção de esplêndidas basílicas. Para além dos bispos, também os próprios santos eram patronos, pois eram considerados como poderosos. De entre todas estas demonstrações de liderança, nenhuma foi mais significativa do que a aristocratização da Igreja na Gália, colocando as cidades sob o poder de homens que exerciam o seu poder à maneira romana. Em todo o caso, a participação do Bispo de Roma era crucial para a estabilidade e manutenção do poder que, nesta altura, se encontrava em constante ameaça entre as igrejas do mediterrâneo oriental.
Se o clero cristão assumira um papel tão representativo na Gália, o mesmo não podemos dizer quando falamos de Inglaterra em que o estabelecimento do Cristianismo fora muito menos sólido e em que os bispos da Britânia eram acusados de pelagianismo. Desta feita, o poder de Inglaterra acabara por cair nas mãos de guerreiros, passando a ser dominada por tiranos em vez de bispos. Um Cristianismo comum que conseguisse incluir cristãos e bárbaros ao mesmo tempo só foi possível quando as características fronteiriças se alteraram, o que aconteceu precisamente na fronteira noroeste da Britânia. No entanto, ao longo da costa leste da Irlanda as Igrejas continuaram a ser uma raridade, demonstrando novamente o Cristianismo como uma religião minoritária, não sendo, contudo fruto de perseguições.
Na segunda parte da sua obra, “Heranças Divergentes, 500-750 d.C.”, verificamos que a Igreja Católica no século VI aparece em todo o Mediterrâneo como sendo “...a única religião pública do mundo romano.” (1) Contudo, a prática pagã parecia ainda não ter terminado mesmo nos corações dos cristãos baptizados. As «tradições pagãs» teimavam em reaparecer, merecendo desta forma o repúdio da Igreja cristã. O Bispo de Arles, Cesário, apresentava o paganismo como fruto de «tradições fragmentárias», de «hábitos sacrílegos» e «imundícies dos gentios» e que os próprios crentes traziam para dentro das igrejas. Cesário pregava autênticos sermões a todos aqueles que cediam a estas práticas condenadas pela Igreja e considerava-as como “falta de educação”. Mais tarde, as comunidades pagãs acabaram por aceitar os símbolos e os ritos cristãos e o Cristianismo passa desta forma a dar o seu contributo aos ritos mais fundamentais. Um dos aspectos considerados mais importantes para a eliminação deste comportamento pagão era a devoção pelos santos que se tornava muitas vezes mais eficiente do que o próprio padre. Gregório de Tours, Bispo de Tours entre 573 e 594, defendia precisamente esta opinião.
À medida que as invasões bárbaras avançam, um novo reino começa a prosperar na Gália – o reino dos Francos. Dentro deste novo sistema, os bispos tornam-se extremamente altivos e cada um deles representava, na sua região, a própria lei e a manutenção da ordem citadina. Muitos deles acumularam enormes riquezas que revertiam a favor das magníficas basílicas, com os seus altares repletos de ouro e que despendiam para a manutenção de toda a comunidade. Por outro lado, os santos assumiam um papel de guardiões da comunidade e eram representados pelos respectivos bispos na terra. Deste modo, a Igreja tornara-se a melhor forma de aceder ao poder e de adquirir determinado prestígio social, uma vez que também o bispo representava o imperador na sua região. Apesar de toda a comunidade cristã se redimir dos seus pecados através da devoção aos santos e do acto de esmola, cerca de 600 estes actos considerados benévolos já não eram suficientes. Agora, a melhor maneira de chegar a Deus somente era conseguida entrando para um mosteiro e passando por um processo de penitência constante que deixaria a alma limpa de todos os pecados cometidos.
Numa altura em que as invasões se tornavam incessantes, o mundo cristão enfrenta no século VII/VIII uma nova realidade, a prosperidade de um novo reino que agora substituía a própria Roma – o Reino dos Árabes. Para os cristãos, o Islame seria apenas «uma nova heresia enganadora». Porém, dentro dos territórios pertencentes ao novo reino, os cristãos submeteram-se ao pagamento de um imposto, por forma a não enfrentarem a submissão ao Islame.
Passando os olhos pelo mundo do norte, a Britânia saxónica assemelha-se agora ao Norte da Gália, onde os aristocratas se tornavam monges ou patronos dos mosteiros, incentivando as suas gentes à ordem cristã.
Finalmente, na terceira parte da obra de Peter Brown, “O Fim do Mundo Antigo, 750-1000 d.C.”, o tão vasto e forte Império mundial da Roma do Oriente já não existe e aquilo que agora encontramos não passa senão de um simples Estado enfraquecido. Um novo sistema político substitui agora a antiga grandeza do Império Romano do Oriente – o Império Bizantino. Associado a este novo sistema político, surge também uma nova controvérsia religiosa, nomeadamente, a veneração das imagens pintadas dos santos, de Cristo e de Nossa Senhora. Os chamados iconoclastas (destruidores de imagens), contestavam a criação destas imagens e consideravam-nas como práticas pagãs. Esta controvérsia iconoclasta subsistiu durante largos tempos e lutou com todas as armas de que dispunha para combater a não veneração de imagens que provocavam a ira de Deus.
Já no reinado de Carlos Magno e também dos seus sucessores, a aliança entre uma Igreja e um sistema essencialmente novos, caracteriza desta forma um novo Cristianismo no Ocidente, baseados na persuasão das comunidades da Europa Ocidental, de modo a atingirem os seus objectivos. Apesar das leis locais prevalecerem em cada região, para Carlos Magno só a lei cristã era a verdadeira lei do seu império em matérias religiosas recrutando os clérigos e monges mais notáveis para conseguir manter coesa a ordem cristã.
Viajando até aos países nórdicos, verificamos que estas comunidades preferiram adoptar o cristianismo dentro dos seus próprios termos, aceitando o cristianismo de Bizâncio após um minucioso estudo do catolicismo ocidental e também do islamismo efectuado pelos seus observadores. Assim, o Cristianismo espalhou-se por todos os recantos do Atlântico Norte.
No fundo, um dos objectivos do Cristianismo fora alcançado, pois o mundo nesta altura já não é um mundo pagão. Agora, através do conhecimento superior da Lei Cristã, o objectivo centra-se essencialmente em controlar um mundo que se mantivera profundamente profano, por forma a que o mundo dos leigos «cristãos» atinja a sua salvação.
Tendo em conta a importância que o Cristianismo demonstrou possuir desde as suas origens, quer a nível religioso como também a nível político, esta obra torna-se indispensável para a compreensão em traços gerais do desenvolvimento desta religião, as suas consequências no desenrolar da história dos vários impérios que se ergueram desde os fins da antiguidade até aos inícios da Idade Média e ainda para a compreensão de algumas situações que hoje vigoram na Igreja.
Alguns reparos, porém, nos merece este livro, embora o autor fizesse questão de enunciar alguns deles no seu prefácio. Começando pelo título da obra, antevemos uma maior centralização em torno do Ocidente, o que não sucede uma vez que o autor muitas vezes dispersa-se pelo Oriente com o intuito de uma melhor compreensão por parte do leitor, de como surgiram determinadas situações que levaram à respectiva ascensão do Cristianismo no Ocidente. No entanto, de acordo com a vasta matéria tratada na obra e pela imensidão geográfica referida, torna-se susceptível que o leitor a dada altura se perca um pouco do assunto central. Em vez de uma obra maioritariamente destinada ao cristianismo, deparamo-nos com uma história quase geral do império romano, as suas crises, a sua decadência, o surgimento de novos impérios relatados de uma forma por vezes exaustiva e maçadora para um simples leitor. A ausência de notas de rodapé é, no entanto compensada pela completa bibliografia no final da obra, assim como a preciosa ajuda de um índice remissivo e de uma valiosa cronologia. A Ascensão do Cristianismo no Ocidente, de Peter Brown, demonstra deste modo uma nova forma de abordar a história do cristianismo, desde as suas origens a Oriente até à sua chegada ao Ocidente Europeu, divergindo assim, das inúmeras obras já existentes sobre esta matéria.
(1) In A Ascensão do Cristianismo no Ocidente, “Heranças Divergentes, 500-750 d.C (Reverentia, Rusticitas: De Cesário de Arles a Gregório de Tours)”, pág. 113.